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Num ano atípico, uma cerimónia atípica. É como decorreu mais uma noite de Óscares, a 93.ª, na madrugada do dia 26 de abril, na Art Deco Union Station. Nesta entrega de prémios as particularidades foram muitas, desde logo os convidados surgiram mais espaçados e em menor número para evitar a concentração de pessoas. Além disso, em contexto de pandemia de covid-19, todos os nomeados foram testados previamente e não usaram máscara.

Antes de irmos às escolhas propriamente ditas, realçar o contributo da plataforma de streaming da Netflix que chegou às 36 nomeações, mais 12 do que no ano passado, representada, sobretudo, pelo filme “Mank“, que arrecadou 10 nomeações. Todo este panorama é demonstrativo da nova realidade que o nosso cinema atravessa, um cinema cada vez mais virado para o streaming e menos para a sala escura.

O primeiro Óscar da noite foi o de Melhor Argumento Original, para Emerald Fennell, argumentista e realizadora de “Uma Miúda com Potencial“, onde não houve grandes surpresas. O filme já tinha arrecadado o BAFTA e estava marcado como o grande favorito, numa categoria onde Aaron Sorkin, com “Os 7 de Chicago“, que arrecadou o Globo de Ouro nesta categoria, poderia ter surpreendido. Um prémio justo, ainda que não seja um argumento substancialmente superior a “Minari“.

Posteriormente, Melhor Argumento Adaptado foi para Florian Zeller, partilhado com Christopher Hampton, por “O Pai“, numa escolha altamente feliz. Se “Nomadland – Sobreviver na América“, por um lado, era um dos possíveis vencedores, a vitória de “O Pai” nos BAFTA relançou a esperança de uma escolha acertada, como veio a acontecer. Ainda que “Nomadland” seja um filme mais seguro de si, na sua essência, é um produto mais de realização do que propriamente de argumento. Ideia inversa para “O Pai”, que consegue ter, sobretudo, um argumento como fonte cinematográfica mais forte, ainda que na sua questão técnica também se consiga elevar. Desta feita, escolha acertada.

O cineasta Florian Zeller recebeu o prémio em direto de Paris, via streaming

Para Melhor Filme Internacional, a vitória já estava praticamente entregue, e bem, a “Mais uma Rodada“, como se veio a verificar. Thomas Vinterberg recebeu o Óscar, num dos discursos mais emocionantes da noite.

Na categoria de Melhor Ator Secundário, idem aspas. “Daniel Kaluuya” recebeu o Óscar, sem surpresas, pela sua interpretação em “Judas e o Messias Negro“. O ator já havia ganho o Globo de Ouro pelo papel, naquela que foi uma das categorias com menos suspense da noite. Numa secção, no geral, fraca, Kaluuya recebe bem a estatueta, muito por culpa de uma interpretação dramaticamente fortíssima.

Para Melhor Realizador, mais uma vez, não havia espaço para grande especulação. Chloé Zhao recebeu o Óscar, depois de ter arrecadado o Globo de Ouro e BAFTA na mesma categoria. Uma opção justíssima, sobretudo pela ideia objetiva de “Nomadland – Sobreviver na América” ser, acima de tudo, um trabalho notável de realização.

Para a categoria de Melhor Filme de Animação, “Soul – Uma aventura com alma“, de Pete Docter e Kemp Powers, levou o Óscar, numa réplica de previsibilidade da categoria de Melhor Filme Internacional. Este foi, de facto, o melhor de animação do ano e mereceu por inteiro esta distinção.

Quanto à Melhor Atriz Secundária, ganhou a favorita, Youn​​ Yuh-Jung, por “Minari”. A atriz já havia vencido o BAFTA, e, numa categoria objetivamente fraca tendo em conta a história dos Óscares, a verdade é que acabou por vencer a interpretação menos mal. Youn​​ Yuh-Jung dá muita vida a “Minari”, mas está longe de ser uma atuação de encher o olho. À parte disso, justa vencedora. Curioso foi o seu discurso de aceitação, onde afirmou que não conseguia acreditar que tinha ganho a Glenn Close, que já foi nomeada oito vezes para os Óscares, sem nunca ter ganho nenhum.

Thomas Vinterberg, vencedor do Melhor Filme Internacional com “Mais uma Rodada”

Numa decisão estrutural surpreendente, a celebração do Melhor Filme (momento mais esperado da cerimónia) não foi deixada para o final, mas sim antes das categorias de Melhor Ator Principal e Melhor Atriz Principal. Uma opção questionável, sobretudo porque retirou alguma mística à cerimónia. Ainda assim, não tão questionável foi a atribuição do galardão a “Nomadland – Sobreviver na América”. Um prémio justo, ainda que o melhor filme do ano tivesse sido, na verdade, “O Som do Metal“, realizado por Darius Marder. No entanto, é uma entrega, dentro dos limites, justa.

Numa atribuição toda ela também altamente expectável, Frances McDormand arrecadou o Óscar de Melhor Actriz, por “Nomadland – Sobreviver na América”. Ainda que Andra Day tivesse ganho o Globo de Ouro, por “Os Estados Unidos vs. Billie Holiday“, Frances consolidou o seu estatuto nesta categoria ao arrecadar o BAFTA, abrindo caminho para a vitória. Ainda assim, se formos a ser verdadeiramente justos, quem merecia ganhar era Vanessa Kirby, pela sua magnífica interpretação em “Pieces of a Woman“. Aqui, Vanessa tem um papel dramaticamente superior e mais inesquecível, naquele que foi, claramente, o filme mais negligenciado de toda a cerimónia nas suas nomeações.

Por fim, em matéria de categorias altamente relevantes, tivemos a surpresa mais agradável da noite, com a vitória de Anthony Hopkins em “O Pai”. Contra todas as expectativas, uma vez que Chadwick Boseman em “Ma Rainey: A Mãe do Blues” arrecadou o Globo de Ouro, e somando o facto deste nos ter deixado em 2020, havia a ideia no ar de que este prémio serviria para o homenagear. Felizmente, numa escolha mais lúcida, Anthony Hopkins, que arrecadou também o BAFTA, com uma interpretação dramaticamente brilhante, teve aqui um prémio de carreira mais que justo, mesmo a fechar a cerimónia.

Além disso, ligeiras notas sobre algumas categorias mais técnicas. “Ma Rainey: A Mãe do Blues” arrecadou Melhor Caracterização e Guarda-Roupa, numa escolha minimamente expectável, ainda que ligeiramente injusta para com “Emma.” no que toca a Guarda-Roupa.

Frances McDormand e Chloé Zhao, “Nomadland – Sobreviver na América”

“O Som do Metal” levou, e bem, a estatueta em Melhor Mistura de Som (este ano como amálgama com Melhor Montagem de Som). Além disso, “Tenet” não saiu de mãos a abanar e levou o Óscar de Efeitos Visuais, numa escolha minimamente segura. Quanto ao Design de Produção, deu o primeiro Óscar da noite a “Mank”, numa decisão que não é condenável. Altamente questionável foi, sim, a atribuição de Melhor Direção de Fotografia ao mesmo filme, ao invés de “Nomadland – Sobreviver na América”, num dos erros mais clamorosos da noite.

Melhor Montagem foi, também, para “O Som do Metal”, numa decisão pouco acertada, onde até nem era o favorito. “O Pai”, pela sua riqueza envolvente, merecia levar a estatueta.

E assim decorreu mais uma cerimónia dos Óscares; mais intimista, mais restrita e, talvez, mais convidativa – ainda que, porventura, sem aquela chama de glamour de outros anos, algo compreensível tendo em conta o contexto pandémico em que vivemos atualmente. Ainda assim, foi o sempre esperado hino ao cinema e uma madrugada onde a Sétima Arte é (felizmente) elevada, ainda que nem sempre pelos melhores (e mais justos) motivos.

Em memória de todos os atores, atrizes e profissionais da Sétima Arte que nos deixaram recentemente
Os melhores momentos da Cerimónia dos Óscares 2021

Tiago Ferreira

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