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“The Father” (2020) conta a história de Anthony (Anthony Hopkins), um idoso de 81 anos. Ele mora sozinho no seu apartamento em Londres e recusa todos os cuidadores que a sua filha, Anne (Olivia Colman), lhe tenta impor. Mas isso torna-se uma necessidade maior quando ela resolve mudar-se para Paris com um homem que conheceu há pouco tempo, e dessa forma não poderá estar com pai todos os dias.

No entanto, alguns acontecimentos estranhos começam a acontecer: um desconhecido diz que este é o seu apartamento; Anne contradiz-se; e nada mais vai fazendo sentido na cabeça de Anthony. A grande questão é: estará ele a enlouquecer, ou será este um plano da sua filha para o tirar de casa? Esta é a grande e maravilhosa questão que o filme cria na sua imensidão cinematográfica.

A verdade é que este filme, sob a batuta de uma banda sonora riquíssima de Ludovico Einaudi cria, não só uma atmosfera emocionalmente estonteante, como vai pautando a sua essência cinematográfica num registo bastante contemplativo, reflexivo e interior. E esta interioridade, sob a perspetiva de Anthony, é o espelho daquilo pelo qual muitos idosos passam a partir de uma certa idade: o adensar da perda de estabilidade cognitiva, a dificuldade entre distinguir a realidade da (sua) ilusão e, sobretudo, a teimosia em receber ajuda neste período de carência.

E o filme toca nesta questão com uma subtileza muito atrativa, sob os devaneios do nosso personagem principal e também sob a expressão da sua revolta e confusão interior. Isto porque, com o avançar da idade, além da dor adjacente ao caminhar para o fim da vida, está também o sofrimento de ir perdendo independência e consciência de si.

Anne (Olivia Colman) e Anthony (Anthony Hopkins)

Anthony Hopkins faz uma interpretação verdadeiramente sublime, conseguindo imortalizar de forma tão natural, convincente e realista esta condição do seu personagem. Não deixa de ser interessante e curioso o nosso protagonista ser homónimo do próprio ator, algo que talvez fosse um prenúncio de uma interpretação tão sua, tão própria e tão pessoal. O filme é escrito e realizado por Florian Zeller, sendo o argumento adaptado de uma peça de teatro do próprio realizador, de 2012, “Le Père“. Argumento este que merece um crédito substancial, pela profundidade humana da sua mensagem, muito por culpa de um protagonista com tanta vivacidade, com um dramatismo inesquecível e com uma personalidade tão rica e sui generis.

Este filme consegue, amplamente, concretizar o seu propósito, muito porque a contextualização que faz no seu primeiro ato é brilhante no suspense — mas não só. A sua narrativa consegue levantar a dúvida sobre o que é realidade ou ficção, mas também aborda de forma extremamente profunda a própria noção de tempo, e a forma como sentimos e percecionamos o tempo, definindo com rigor a nossa própria felicidade. Desta forma, e através de uma montagem muito complexa e rigorosa, “The Father” afirma-se como sendo emocionalmente relevante, construindo uma jornada, acima de tudo, pessoal com uma naturalidade tão rica e expressiva, que a torna verdadeiramente inesquecível em tom (humano e sentimental).

“The Father” (2020)

Sobre a interpretação de Olivia Colman, os elogios são mais comedidos, apesar da sua personagem ter um protagonismo naturalmente menos acentuado no ecrã, o que limita um pouco a fruição da sua interpretação como um todo; no entanto, é um papel bem conseguido desta atriz que apenas com a sua presença consegue imprimir à narrativa um carácter bastante diferenciador. E retomando o tópico da narrativa e do argumento, apenas dizer que estamos perante um guião que, no meu entender, transposto para filme ganha asas amplamente significativas, o que não retira peso à beleza da sua escrita, mas sim abrilhanta a arquitetura sublime, do ponto de vista técnico, por parte de Florian Zeller.

Desta feita, estamos perante uma longa-metragem extremamente importante na abordagem que faz à angústia do Homem no tempo, e que consegue, de forma rica, poderosa e distintiva subjugar-nos à interioridade (universal) de envelhecer, aos olhos do (nosso) mundo.

Tiago Ferreira

Rating: 3.5 out of 4.

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