O sucesso da cineasta e argumentista chinesa Chloé Zhao tem sido tão discreto quão indiscutível. Antes de “Nomadland”, estreou-se de forma quase anónima no Festival de Cinema de Sundance, em 2015, com a memorável longa-metragem “Songs My Brothers Taught Me“. No entanto, foi com o seu segundo filme, “The Rider” (2017), que a autora deslumbrou os críticos – quem vos escreve pensa, inclusive, que é um dos melhores dramas do século XXI. Mesmo depois deste êxito, Zhao ainda era pouco conhecida pelo público em geral, mas tinha a oportunidade de se afirmar com “Nomadland” como uma das melhores artesãs da Sétima Arte contemporânea. Terá conseguido? A resposta é um redondo sim.
Baseado no romance de Jessica Bruder, “Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century“, o argumento centra-se no estilo de vida nómada de Fern (Francis McDormand). Uma mulher com cerca de sessenta e poucos anos que perdeu o marido e o emprego, em Empire, no Nevada, depois do colapso financeiro de 2008. Profundamente afetada pelas circunstâncias, Fern decide fazer-se à estrada na sua prezada carrinha e sobreviver de trabalhos sazonais. No processo, a protagonista leva-nos a conhecer as terras baldias de uma América esquecida.

Estilista e tematicamente, “Nomadland” é a terceira entrada de uma trilogia não oficial. A continuação de uma corrente de dramas que entram em contacto com comunidades rurais marginalizadas e exploram as relações entre os seus membros. Desde tribos indígenas até à cultura de rodeio dos cowboys modernos. Sempre com o belíssimo pano de fundo das planícies arenosas do interior a perfumar as narrativas com uma mística muito própria.
Neste último esforço, o enfoque está na experiência nómada, a noção de liberdade e a pluralidade de razões que levam alguém a enveredar por esta alternativa. Porém, no coração da narrativa reside a ideia de que “casa” é um conceito muito pessoal e pode não corresponder necessariamente a um espaço físico, mas sim a um sentimento que levamos connosco para onde quer que vamos. Não é tão impactante de um ponto de vista emocional como “The Rider”, contudo, permanece um estudo de personagem poético e renova o meu fascínio pela cineasta.
Uma criativa que, num golpe de autenticidade, vem misturar atores com não atores de uma forma impercetível. Ao ponto de não conseguirmos muitas vezes distinguir o espontâneo do ensaiado. No seio desse trabalho de confiança entre a câmara e a gente comum, a veterana Frances McDormand imprime credibilidade em cada segundo que está a ser filmada. É uma das grandes interpretações de 2020, repleta de pequenos detalhes, maneirismos e breves feições – que será recompensada nos Óscares de 2021.

Por entre as conversas e os desabafos dos nómadas, a frustração contra o capitalismo é uma proposição subjacente, ainda que esteja longe de ser o centro das atenções da história. Em vez disso, esta privilegia a comunhão de experiências como a perda, a solidão ou o companheirismo. Representa também a comunidade como compassiva e acolhedora para quem perdeu o rumo do seu destino, recusando-se sempre a julgar os errantes ou a problematizar os eventos que retrata. Ao bom estilo neorrealista, a vida no grande ecrã é disposta exatamente como é vivida.
Em certa medida, “Nomadland” regista o culminar da jornada de Chloé Zhao pelas terras baldias, que tanto a moveram. Visto que a sua paragem seguinte será pelo reino encantado dos ecrãs verdes e dos superpoderes, com o projeto cinematográfico da Marvel, “Eternals“, a estrear algures entre 2021 e 2022. Será no mínimo curioso perceber de que forma é que a cineasta vai conseguir transpor as suas propriedades sui generis para o cinema de ação. Sendo certo que, algures num futuro não muito longínquo, vai voltar a realizar com os pés em terra batida.
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