Romance com fundo de teoria da conspiração, “Shangri-la”, de Julio Murillo, traz o seguinte subtítulo, que nos serve de alerta: “E Se A História Como A Conhecemos For Apenas Uma Grande Farsa?” Com 414 páginas, o livro com uma excelente diagramação e divisão de capítulos foi publicado no Brasil pela editora Record, em 2012.
O enredo apresenta-nos Simon Darden, jornalista da seção Internacional do The Guardian, residente em Londres, que recebe via e-mail uma foto perturbadora: nada mais nada menos que Adolf Hitler, bem mais velho, comemorando o que parecia ser um aniversário tendo ao fundo uma geleira. Ao mesmo tempo, recebe um telefonema insistente de um misterioso homem que lhe pede para se atentar para aquela foto. Obviamente que montagens de fotos não são difíceis, mas o perturbador é quando Simon decide levar a fundo essa investigação e, com a perícia de um especialista, John Stewart, descobre que o registo é autêntico. A vida do jornalista irá ser virada de cabeça para o ar.
O emissor é Eilert Lang, vivendo com o pseudónimo Heinz Rainer, que esteve numa missão militar na Antártica e acabou a saber de uma organização secreta, a Ultima Thule, que guarda os ovos da serpente do que seria a continuação do nazismo pelo mundo e que sabem que o Führer não morreu em 1945, como afirmam os historiadores e jornalistas. Lang, intrometendo-se onde não devia, fica a par deste segredo e a sua vida passa a valer míseros centavos, uma vez que esta organização secreta deseja eliminá-lo. Aliás, alguns estranhos acidentes têm vitimado alguns senhores, de aparência tranquila, mal sabendo a polícia que o passado deles é comprometedor.

Enquanto vivia clandestino num apartamento de classe baixa em Berlim, Lang pressente a companhia da vizinha musicista, Elke Schultz, que pratica constantemente, fazendo ela parte da Orquestra Filarmónica que fará uma tournée pela Europa, a começar por Paris. Os destinos cruzados se entrelaçam quando ele a sequestra, para escapar de uma emboscada feita pela Thule.
A trama ganha agilidade, aventura e emoção e faz lembrar os guiões dos filmes baseados nos livros de Dan Brown. E isso é bom. Com o passar das horas, a violência dá lugar a um sentimento estranho e, entre raptor e raptada, dá-se o famoso “síndrome de Estocolmo”. Um encontro marcado com Simon Darden em Paris e fugindo dos assassinos, também da polícia que investiga o motivo de um bairro residencial alemão ter tido uma altercação tão grande. Os inspetores são Bruno Krause e Christian Eichel.
Durante boa parte do livro, o trio formado por Lang – Simon – Elke irá relacionar-se e aos poucos a violinista se encantará pela história do biólogo (sim, Lang) que participou de uma missão e enfiou o nariz onde não devia. Este confessa um grande amor morto nessa operação e convive com essa dor, de ter envolvido uma inocente neste jogo do gato e do rato.
Fundamentando a tese da teoria da conspiração, separei um longo trecho, o qual entendi ser o mais destacado da obra. Cito:
“— O que você encontrou atrás da porta?
— Uma cidade.
— Uma base…
— Não, eu disse uma cidade – sublinhou o norueguês. — A comporta permitia ascender a um amplo corredor, cujas paredes e tetos estavam recobertos, mais uma vez, pelo metal que mencionei. Chamou a minha atenção, desde o primeiro instante, que o passadiço estivesse iluminado.
— Luz elétrica?
— Não. Luz natural. Quando os alemães construíram Nova Suábia, projetaram um sistema que lhes permitisse captar a luz externa lá de cima, no alto da geleira, e conduzi-la, por meio de espelhos e prismas, ao interior. E não fazia frio. Eu passara dois dias paralisado, acovardado diante da humidade que me penetrava até ao tutano e ao entrar ali fui invadido por uma agradável sensação térmica.
— Engenhoso.
— Muito. O mérito é desse metal. Um isolante perfeito.
— Descreva Nova Suábia.
— É simples. Imagine uma suástica – sugeriu Eilert. — Uma suástica gigante cujo ponto de interseção, ali onde os braços se encontram, dava acesso a outras seis cruzes, idênticas; três acima do nível onde eu estava e outras tantas abaixo. Percorri-as várias vezes durante os dias seguintes. As inferiores estavam ocupadas por laboratórios, hangares, arsenais, oficinas e armazéns. A central, ligada ao porto, destinada exclusivamente a escritórios, arquivos, salas de mapas, logística e intendência. A quinta e a sexta, mais próximas do pico do Mühlig-Hofmann, abrigavam os dormitórios, refeitórios e áreas de lazer da guarnição. A sétima, finalmente, estava reservada aos oficiais e hierarcas nazistas.
— Hitler viveu ali, na Base 211?
— Após fugir de Berlim, passou mais de um ano em Nova Suábia. Depois se instalou na Argentina, na região de Bariloche. Sabe, a paisagem de Bariloche é muito parecida com a da Baviera – brincou Eilert. — Nas proximidades do lago Nahuel Huapi existem duas grandes fazendas: a Estância San Ramón, propriedade de uma empresa de capital alemão, e a Residência Inalco, cujo dono, terminada a guerra, mantinha fortes vínculos com magnatas alemães e com o governo de Perón.
Esses lugares foram, durante muito tempo, um paraíso para todos eles. Ali se refugiou, também, Erich Priebke, o oficial que assassinou 335 civis na Itália em março de 1944, Adolf Eichmann e o doutor Josef Mengele antes de se assentar no Brasil. De qualquer maneira, voltando a sua pergunta, Hitler viajou em inúmeras ocasiões a Neu Schwabenland, assim como os jovens lebensborn.
— Preciso acompanhá-lo, e creio que às vezes me perco. Tenho muitas perguntas na cabeça – afirmou Darden, confuso. A avalanche de informações o impedia de raciocinar com clareza.
— Comece por qualquer uma delas – sugeriu o biólogo.
— Você disse lebensborn?
— O Projeto Lebensborn, ou Fonte da Vida, foi mais uma aberração dos nazis. O próprio Heinrich Himmler esteve, a partir de 1934, à frente desse programa, que procurava garantir a pureza racial da futura Alemanha. A pureza ariana. Com esse objetivo, criaram uma rede de centros em vários lugares da Europa ocupada: Áustria, Dinamarca, Polónia, Bélgica, França, obviamente na Alemanha, mas, sobretudo, na Noruega. No meu país existiram mais de dez dessas maternidades.
— Maternidades?
— Os altos comandos das SS, os oficiais graduados, e até mesmo soldados laureados, acudiam a esses centros com relativa frequência. Era, ao mesmo tempo, um dever e uma honra para eles. Ali os esperavam mulheres que tinham sido cuidadosamente selecionadas: altas, louras, de pele branca e olhos azuis. Há muitas assim na minha querida Noruega – ironizou Eilert mais uma vez. — Durante aqueles anos, nasceram milhares de crianças perfeitas, milhares. Jamais se poderá saber exatamente quantas. Os nazis se encarregaram de destruir todos os arquivos e de apagar as suas pistas quando oseu monstruoso império desabou. Quando a guerra terminou, o assunto foi investigado, houve julgamentos, pistas foram seguidas… Mas sem muito êxito.
— E o que aconteceu com essas crianças?
— A maior parte delas permaneceu na Alemanha. Ingressaram em orfanatos e centros especiais; as autoridades procuraram pais adotivos para elas. Atualmente, ainda existem associações Lebensborn. Essa gente dedicou a maior parte da sua vida a reconstruir o seu passado; procurando averiguar, em definitivo, quem foram os seus progenitores. É uma história dolorosa.
Simon não conseguia reprimir a sua perplexidade. Mal conhecia aquele estranho e terrível capítulo da barbárie nazi.
— O que aconteceu com o resto? – indagou, com a alma inquieta. — Levaram essas crianças para a Antártica? Isso, isso não é possível!
— Não. Os lebensborn foram conduzidos à Argentina e a outros países ibero-americanos no final de 1944 – revelou Eilert. — Sua guarda foi confiada a muitas famílias germanófilas. Quando completavam 16 anos, eram enviados, em grupos, à Base 211. A frota de submarinos viajava regularmente à costa da Argentina. Emergiam em Chascomos, no norte, e no Rio Negro, no sul do país. Dois desses submergíveis afundaram ali. Os seus restos ainda tiram do sério os investigadores. Em Neu Schwabenland se completava a formação desses garotos, como um degrau prévio ao seu novo destino. Já se pode imaginar que tipo de formação. Suponho que não tenha nada a perguntar a esse respeito.
— Não. Nada. Posso imaginar.
— O que você não imagina, Sr. Darden, é onde estão esses garotos atualmente.
— Suponho que penteando cabelos brancos – brincou o jornalista.
— Sim, sem dúvida eles já têm uns quantos. A pergunta é onde e como eles os penteiam. Vou lhe revelar tudo isso mais tarde, não se preocupe.“

Envolvente, não? Estes e outros segredos vão permeando a trama e no decorrer acontecem viradas cinematográficas e, se é verdade o ditado que diz que onde há fumo há fogo, é de suspeitarmos mesmo do corpo incinerado de Adolf Hitler no seu bunker. Sabia-se à época que o ditador possuía alguns sósias, ainda mais que fora vítima de um atentado anos antes e a sua segurança era extremada. Acerca das testemunhas que ouviram os disparos na sua sala secreta, assim, eles ouviram mas não viram. Seria Hitler mesmo?
Sabemos que a História é escrita pelos vencedores, principalmente a oficial que determina aquilo que será passado às gerações futuras. Contudo, um acordo secreto de cavalheiros pode ter permitido ao Führer a preservação ao menos da sua vida, e da sua amada Eva. No que toca aos ovos da serpente, somos sabedores dos frutos que ainda persistem no exacerbado nacional-socialismo, hoje dividindo eleitores na França, por exemplo, e noutras paragens. Do mesmo modo que seria reducionismo e leviandade atribuir-lhes a pecha de nazis, não podemos ser inocentes acerca das suas intenções.
Voltando ao livro, sugiro a leitura como deleite, entenderem que o que nos ensinam nos bancos escolares nem sempre corresponde à verdade e que por baixo dos panos rola muita coisa suja.
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