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Quem somos quando deixamos de conseguir fazer aquilo que nos define? De que forma comunicamos com o mundo quando a nossa capacidade de interagir com ele muda radicalmente? Como é que conseguimos reinventar-nos? Estas são algumas questões que estão na base das matérias identitárias de “Sound of Metal”, a estreia do cineasta norte-americano Darius Marder, que também assina o argumento em parceria com o seu irmão, Abraham Marder. Um poderoso início de carreira em longas-metragens que é premiado com a melhor atuação da carreira do ator Riz Ahmed.

A sequência de abertura nutre som e fúria: Ruben (Ahmed) tem a seu cargo a bateria e Lou (Olivia Cooke), a sua namorada, está responsável pelos vocais e trabalho de guitarra. Juntos formam uma banda de metal que toca de localidade em localidade, movidos por uma carrinha, que é também a sua casa. Apesar de estarem longe de encher estádios, o dueto é feliz quer na sua dinâmica profissional como amorosa. Até que a audição de Ruben começa a degenerar-se veloz e implacavelmente. Incrédulo, irado e desnorteado, o músico começa a encontrar algum conforto numa comunidade surda, onde aprende as especificidades da cultura e recebe as orientações necessárias para recuperar a sua paz interior.

Riz Ahmed (Ruben)

Como era de esperar, o processo não se revela fácil. O drama da narrativa é alimentado pela inconstância emocional e racional de Ruben, que mesmo depois da fase de negação e de ter mostrado algum progresso, mantém sempre o inconsciente bem ciente do passado. Com a agravante de que, enquanto toxicodependente que não consome há anos, a probabilidade de ser assolado por um momento de fraqueza aumenta. Mas Joe (Paul Raci), o responsável pela comunidade, mantém-se alerta e procura guiar o protagonista da forma mais sábia possível: de dentro para fora.

Pois uma das diversas vertentes temáticas de “Sound of Metal” é a forma honesta como enquadra a comunidade surda na história. Não só apresenta um pouco dos afazeres dos seus membros e do valor que acrescentam à sociedade, como também encara a deficiência não como uma doença que precisa de uma cura, mas sim como uma característica que tem de ser gerida pelo indivíduo. Nas palavras de Joe, Ruben tem de “aprender a ser surdo“. Neste aspeto, o filme envolve através do desenrolar desta jornada interior, com altos, baixos e uma generosa dose de contemplação.

Riz Ahmed (Ruben)

Abrangendo um ponto mais técnico, tendo em conta a dimensão sonora da narrativa, Darius Marder teve em especial consideração o design e a mistura da comunicação auditiva. Isto porque o terrível conceito sensorial de perder a audição está longe de ser abstrato. Em certos momentos, o filme mímica a experiência do protagonista. Silencia a esmagadora maioria dos sons e até proporciona um tom metalizado ao ruído que porventura Ruben é capaz de ouvir. Esta atenção estilística, emparelhada com o calibre da interpretação principal e com a assertividade imagética, fazem com que seja fácil empatizar com o protagonista e estar o mais próximo possível da sua vivência.

Neste aspeto, aquilo que o ator Riz Ahmed alcança é fruto de uma tremenda entrega e dedicação. Desaparece para dar lugar a um homem intenso, com maneirismos e postura própria. Alguém que, tal como todos nós, muda com os contextos, aprendizagens e partilhas. Assim como a sua personagem evoluí, o mesmo acontece com a sua performance. E que performance. Contudo, tanto Olivia Cooke como Paul Raci fazem um trabalho excelente nos respetivos papéis secundários e acrescentam personalidade a uma escrita que é sólida por si só.

“Sound of Metal” teve um circuito bem-sucedido em diversos Festivais de Cinema e está disponível na plataforma de streaming Amazon Prime. É arte transformativa, uma das melhores obras fílmicas de 2020. Quer pela comoção como pelas reflexões que provoca. Promove a reavaliação dos valores humanos e medita sobre um trajeto que começa com frenesi e termina com sossego. Uma justaposição que pontua na perfeição um filme que oferece perspetivas frescas, empacotadas numa história singular.

Bernardo Freire

Rating: 4 out of 4.

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2 thoughts on ““Sound of Metal”: A agonia do silêncio

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