“Minari” (2020) conta a história de uma família coreana que se muda para uma pequena fazenda no estado do Arkansas em busca do sonho americano. A longa-metragem estreou mundialmente no Festival Sundance a 26 de janeiro de 2020 e venceu o Grande Prémio do Júri. É escrito e realizado por Lee Isaac Chung.
Jacob (Steven Yeun) trata desta mudança sem discutir os moldes com a sua companheira, Monica (Yeri Han). Ele adquire uma “casa com rodas”, num terreno extremamente extenso, algo que a deixa bastante zangada e que cria, precisamente, um espectro de que a relação não estava propriamente a atravessar uma fase fácil. Esta família é constituída também pelas crianças Anne (Noel Cho) e David (Alan Kim) – mais novo e com problemas de coração.
Neste clima de adaptação a uma nova realidade, a família procura “fugir” daquilo que foi um passado com poucas posses e onde o dinheiro que iam ganhando não dava para grandes mordomias. Num momento de reflexão, sobretudo para permitir que as crianças tivessem um acompanhamento enquanto os pais trabalhavam, ambos decidiram convidar a avó Soonja (Youn Yuh-jung), mãe de Monica, para viverem com eles. Mas a verdade é que, não só esta avó não é uma avó “de verdade”, muito pelo seu estilo despreocupado e (ainda que apenas ilusoriamente) pouco protetor, como toda a sua personalidade é bastante irreverente e desafia bastantes conceções.

Esta personagem de Soonja não só vem imprimir ao filme um carácter muito sui generis do ponto de vista dramático-pessoal, como também, sentimentalmente, possibilita a conexão mais brilhante e tocante de toda a narrativa – com David, especificamente. E não deixa de ser interessante que no início desta jornada David olhe para a avó com olhos bastante desconfiados e sem grande empatia. Além disso, um momento a imortalizar é quando a avó vai “passear” com David pela zona onde vivem, encontrando um espaço altamente recomendável para semear Minari, uma planta coreana revitalizante, cujas sementes trouxe aquando da sua mudança.
Jacob tem um grande objetivo, que é o de construir uma horta que possibilite que a sua família consiga viver finalmente bem, vendendo os seus produtos e tendo um modo de vida mais sustentável. A sua ideia passa por “produzir” alimentos biológicos de origem coreana de alta qualidade, para que a população coreana a viver nos EUA consiga ter acesso a produtos “caseiros”.
Infelizmente, todas as suas decisões vão se focando nesse objetivo e toda a sua força é canalizada para o aprofundar da horta, tornando-se completamente obcecado, e com isso vai negligenciando e prejudicando a sua família. A título de exemplo, a dado momento investe toda a água que tem disponível para que a horta se consiga desenvolver, ao ponto de a sua família ficar sem água em casa.
Tudo isto só prejudica ainda mais a sua relação com Monica, que começa a olhar para Jacob como uma pessoa que não quer saber da sua família, apenas de si, do seu ego e dos seus projetos pessoais, começando a questionar a fiabilidade das suas decisões.

A personagem de David tem uma importância acrescida nesta obra, sobretudo pela sua autenticidade, empatia e inocência, tudo aspetos que nos conseguem fazer aproximar sentimentalmente da narrativa e que, com uma interpretação deveras digna e interessante, espoletam um acrescento bastante diferenciador neste filme.
A verdade é que o negócio, como seria de esperar, não corre como planeado e no meio disso à uma realização-chave para Jacob, percebendo que a sua cegueira estava a acabar não só com a sua relação com Monica como com todo o bem-estar da sua família. E se Jacob não se mostrou muito afável aquando da vinda de Soonja, só lhe tem a agradecer, porque temos nesta personagem alguém que ao longo da narrativa, mesmo que não nos apercebamos, nos vai dando verdadeiras lições de humildade e humanidade, algo que fica muito bem patente no desfecho da obra, que salva a sua família e que desafia as conceções de Jacob.
A realçar, naturalmente, a sua banda sonora, bem articulada com as cenas mais sombrias e melancólicas, mas também com os momentos mais sorridentes que cria, tudo de mãos dadas com uma fotografia, que até não é o seu ponto mais forte, mas que imortaliza muito bem o seu subtexto bastante dignificante. Por outro lado, penso que tem algumas partes um pouco monótonas, ainda que estas sirvam o filme por inteiro no seu simbolismo, algo que é concretizado com bastante mestria na parte final, ainda que, a meu ver, um pouco tardio.
Estamos perante uma história que desafia todas as conceções humanas e que nos mostra que muitas vezes o pior cego é, mesmo, aquele que não quer ver, e que muitas vezes afirmamos – um pouco ao estilo de “Breaking Bad” (2008-2013) – que os atos de maior altruísmo que fazemos, fazemo-los, na verdade, por nós.
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