Há dois anos atrás tive o prazer de marcar encontro, numa sala de cinema, com uma obra que me irá marcar perpetuamente, falo de “Beautiful Boy”. Tantas são as coisas que fazem um bom filme, e dessas imensas coisas, a maioria abrange o conceito da subjectividade. Para além de todos os termos técnicos que completam uma película para que ela seja realmente agradável ao espectador, há ainda uma componente, talvez a mais importante, que é “a cereja no topo do bolo” do que se pode considerar uma obra-prima.
“Beautiful Boy” não é uma obra-prima, mas com certeza será “a cereja” na vida de muitas pessoas. Quando vi pela primeira (e única) vez esta película, deparei-me com um fenómeno. Diria até que, uma porta se abriu na maneira como abordo a sétima arte e como o próprio cinema me interpela na partitura da minha vida.
Acho que a relatividade do que, quando apreciamos e interpretamos a arte, seja que tipo for, depende muito do nosso estado de espírito, da nossa experiência, daquilo que cada um de nós adquire com o empirismo, e até mesmo do que observamos e constituímos como relevante ao edificarmos os nossos valores. E, é exatamente por isso que em qualquer outra circunstância da minha vida, iria, gostava e esquecia um pouco do que vi quando abri tempo e espaço à observação deste filme.

Esta obra, de 2018, realizada por Felix van Groeningen (o mesmo que realizou “Ciclo Interrompido“, em 2012) é um filme biográfico que faz um retrato bastante simplista, e facilmente transportado, até à realidade de um pai e de um filho, David Sheff (Steve Carell) e Nic Sheff (Timothée Chalamet), respetivamente, na luta constante perante a instabilidade da vida de um jovem que se entrega às drogas como porta para uma fuga ilusória da sua realidade.
A história até pode parecer, numa primeira análise, de certo modo já esmiuçada por dezenas de outros filmes, porém, a grande diferença que faz de “Beautiful Boy” um filme que permanece na minha memória como, um dos poucos que me fez confundir a minha própria realidade com a realidade exposta pela película, é precisamente a quebra daquilo que é factual e palpável.
Passo a expor a minha percepção: a forma como este filme fez sentido na visão que tenho de um retrato de amor paternal, desde a forma como é colocada a posição de um pai ao educar um filho, até à “necessidade” de abdicar do amor em função da frustração de ter falhado no papel de figura paternal, é, primeiro que tudo, muito bem conseguida.
Aquilo que um pai ou uma mãe idealiza com sua criação, ao cultivar a educação e instruir determinados valores a uma criança, é muitas vezes errada. A imagem que esta obra passa, em grande parte, é a exposição desse mesmo erro cometido, pois um filho é um ser independente psicologicamente, e a ilusão de que se tem um infinito poder sobre “a sua criação”, realmente, não existe.

Nic Sheff, é o jovem que numa primeira observação parece ser a questão problema da vida de David Sheff, que procura compreender a interpretação que o filho faz do que o rodeia, e o porquê de ter feito determinadas escolhas, deixando para trás muito do que foi seu.
Porém, não julgo que “Beautiful Boy” seja mais uma obra cujo o ponto fulcral seja o combate às drogas, muito pelo contrário, apesar de Nic Sheff querer realmente libertar a mente do que é quimérico e fugir da utopia que criou, ele compreende que esse caminho foi percorrido só por ele. E, na minha perspectiva, é precisamente esta aceitação, essa humildade que exige o assumir a culpa da escolha, que faz de “Beautiful Boy” um filme necessário.
Para além de todo o jogo psicológico que a película pode causar ao espectador, também o peso emotivo tem um papel de extrema importância, sobretudo quando se conduz uma narrativa entre pai e filho. O entrelaçar da linha cronológica, demonstrando todos os momentos que marcam esta relação entre família, irá demarcar a empatia que o público poderá sentir ao envolver-se ele mesmo na história. Bem como a interpretação excepcional de ambos os atores, no seu “entendimento desentendido” entre duas pessoas que se separam e se reúnem em momentos diferentes da vida.
“Beautiful Boy” é precisamente isto, a importância na demonstração de afeto, na capacidade de libertar alguém quando é necessário, e, mais importante ainda, este filme é importante na compreensão de que, sem aceitação, a capacidade de ajudar e apoiar não passará além de simples palavras sem qualquer significado.
Maria Moura Baptista