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Vencedora de dois Globos de Ouro: o sueco Stellan Skarsgård como Melhor Ator Secundário e Melhor Filme adaptado a Televisão; “Chernobyl” conta-nos a história de tudo o que aconteceu antes e depois da catástrofe ocorrida do dia 25 para 26 de Abril de 1986, na antiga União Soviética, hoje Ucrânia.

Um evento marcante na história moderna da Humanidade, o desastre consistiu na explosão do reactor nuclear nº 4 da Usina Nuclear de Chernobyl durante um teste de segurança ao início da madrugada, que simulava uma falta de energia da estação, durante a qual os sistemas de segurança de emergência e de regulagem de energia foram intencionalmente desligados. Tudo isto é explicado ao longo dos episódios, com bases científicas bastante precisas, permitindo ao espectador comum ter um maior conhecimento sobre a matéria.

Por ser uma série baseada em acontecimentos reais, esta ganha automaticamente uma vertente documental. A partir daqui, toda o desenvolvimento da narrativa é feito com base em personagens e histórias factuais, sendo que algumas dessas mesmas histórias estavam “escondidas” ao mundo. Em certas alturas, parece que somos transportados para o universo da obra de George Orwell, “1984“, dada a manipulação da verdade a que assistimos.

Stellan Skarsgård (esq.) e Jared Harris (dir.)

O início da série dá-se pelo fim, com um acto final por parte de Valery Legasov, o cientista químico mais importante em toda a história e figura principal da série, imaculadamente interpretada pelo ator britânico Jared Harris. Logo após a explosão do reactor n.º 4, verificamos que não houve uma clara percepção do que realmente tinha acabado de acontecer. Tanto pela população da cidade de Pripiat, como pelos que rapidamente acudiram a resolver o acidente. Quase todos os bombeiros que na noite 26 de Abril de 1986 foram tentar, sem êxito, apagar o fogo do reator, acabaram mortos passados poucos dias.

Segundo Valery Legasov, as roupas dos bombeiros, que ainda hoje contêm elevados níveis de radioactividade, equivaliam a uma escala de 4 milhões de Raio-X. Não é fácil imaginar isso a tocar na nossa pele, mas a série tem um nível de transparência e de caracterização perfeito. À medida que passa o tempo após o desastre, esta mini-série com cinco episódios de aproximadamente uma hora, vai acompanhando o desenvolvimento político, social e os agentes da “frente de combate”.

A representar o “povo” afectado, temos Lyudmilla Ignatenko (Jessie Buckley), a mulher de um dos bombeiros que teve um destino fatal. Esta, grávida, não desiste de estar ao lado do marido até ao seu último suspiro, mas para além do lado emocional e humano, o que mais impressiona são os efeitos causados pela radioactividade, onde o corpo e os órgãos são consumidos lentamente até à sua morte, num processo doloroso e visualmente assustador. Os mais sensíveis poderão passar um mau bocado, mas mais uma vez: uma caracterização pefeita e, a meu ver, necessária.

Os responsáveis por esvaziar os depósitos de água já contaminada, impedindo uma maior catástrofe

Tendo em conta que estávamos em plena Guerra Fria entre o Bloco Ocidental e o Bloco Oriental, logo após a explosão, a União Soviética não tardou em enviar “agentes” do Estado para o terreno, como seria de esperar. O que surpreendeu (mas pouco) é o grau de manipulação da informação que se estava a descobrir. Era previsível que uma catástrofe desta dimensão seria um golpe fatal na “luta” contra o ocidente, tendo o poder soviético ocultado a verdadeira dimensão das perdas e das suas consequências futuras. A evacuação de quase 140 mil pessoas parecia algo impensável, mas tal acabou mesmo por acontecer.

Valery Legasov é um homem bom. É a personagem dividida entre o que deve ser feito e dito, e o que deve permanecer nas trevas. Uma personalidade dividida entre a ciência e a vida. Este estabelece uma relação especial com Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård), recém promovido vice-presidente do Conselho de Ministros da União Soviética. Uma demonstração que em tempo de crise, quando menos esperamos, estabelecemos ligações especiais, não só para sobreviver, mas porque há caminhos que não podemos percorrer sozinhos.

Com o avançar da história, Ulana Khomyuk (Emily Watson) ganha um papel determinante na investigação das causas que levaram à explosão do reactor. Esta é uma personagem fictícia que representa um conjunto de investigadoras bielorrussas essenciais em todo o processo pós-tragédia. Ulana chega mesmo a ser presa pela KGB, serviços secretos russos, por ameaçar contar a verdade do que realmente se estava a passar nos hospitais – onde nem sempre eram cumpridas as normas de segurança relacionadas com os contaminados de Chernobyl.

Outra grande consequência da explosão, para além da evacuação na área circundante à usina nuclear, é o abatimento de todos os animais nessa mesma área. No 4.º episódio somos confrontados com essa dura realidade, revelando que muitas vezes temos de ser frios para o bem de nós próprios e da comunidade. A série expõe, uma vez mais, as consequências “pouco faladas” desta tragédia. Como em muitos casos, os problemas são mais complexos do que parecem.

O principal responsável pela catástrofe: Anatoly Dyatlov (Paul Ritter), no meio de Viktor Bryukhanov (Con O’Neill) e Nikolai Fomin (Adrian Rawlins)

A série funciona como uma espécie de diário envolta da catástrofe de Chernobyl. Para além de toda a explicação científica, que a temos (!), a série mostra-nos os bastidores de como toda esta situação foi gerida à medida que se tomava conhecimento da gravidade do problema. Alguns especulam sobre a veracidade de alguns acontecimentos, principalmente de cariz político, e deixo já alguma reserva quanto a isso.

Contudo, parece-me uma replicação da história bastante sóbria, pois haviam muitos interesses em jogo, e uma tentativa (por vezes conseguida) de ocultação de factos e números. E no regime comunista soviético, só não vê quem não quer, houve realmente muita matéria “silenciada” ao resto do mundo.

“Chernobyl” é criada por Craig Mazin, e deixa um sentimento de homenagem por todos aqueles que sofreram e ainda hoje sofrem, com a tragédia de 1986. Para além da sua narrativa estimulante, o trabalho cinematográfico é irrepreensível, transportando-nos de corpo e alma no tempo e no espaço. Com uma excelente fotografia e cenários perfeitos, esta é sem dúvida uma espécie de documentário, com pequenos toques de ficção, que nos dá um olhar “fresco” sobre o passado. E mais importante, que nos permite tirar conclusões para o futuro.

Rating: 4 out of 4.

IMDB

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One thought on ““Chernobyl”: Uma mini-série catastroficamente perfeita

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