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O livro “Ecoar de Um Passado”, do jovem mineiro Wender Randolfo (Plus + Editora, 166 páginas), é um livro intrigante e aponta para um mundo pós-apocalíptico. Já na orelha o texto promete, cito:

Após o grande sucesso do último trabalho fotográfico realizado na inabitada cidade de Chernobyl, o que lhe rendeu o Prémio Pulitzer, Spencer Jones é novamente indicada para uma sessão de fotografia numa cidade localizada além das montanhas do Sul. Incomodada com a possibilidade de se distanciar da família, ela decide levar o seu marido e os seus filhos. No entanto, um misterioso e imprevisível acontecimento durante a viagem faz com que o seu destino, assim como o de toda a humanidade, mude totalmente.

Em meio a novas descobertas, Spencer se questionará se o que está a viver é mesmo real ou se não passa de uma ilusão criada pela sua mente. Ela não sabe o que a espera no final do túnel, mais precisamente na próxima cidade à direita, mas descobrirá que o assustador ambiente antes visto em Chernobyl em nada se compara àquilo que a espera entre as árvores das montanhas. Nessa jornada de desespero, dor e medo, a fotógrafa terá de encarar a pior viagem da sua vida.

Primeiro, uma advertência: é necessário atentar-se para o género e eu só fui sopesar isso mais tarde. Como gosto de dramas, impliquei um pouco com a falta de empatia de alguns personagens, como quando a esposa toca a vida sem se atentar ao facto de que o seu esposo tinha falecido. E para a filha que nem dá pela morte do pai. Mas cheguei à conclusão de que, na distopia, há situações mais prementes, quais sejam o de tentar salvar a própria vida, e é claro que atos de heroísmo ocorrem na trama.

Se a menção a Chernobyl me fisgou desde o início, pelo facto de ter crescido sabendo do tenebroso acidente nuclear na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, advirto para o facto de a cidade não fazer parte deste roteiro. Um adendo: assisti e aconselho a série Chernobyl (2019). Fantástica! Mas vamos voltar ao livro de Wender.

Spencer é colhida no meio de uma estrada por um cataclismo e esta por onde conduzia é engolida, sendo que o seu automóvel fica à beira de um precipício. Hora de se salvar. Consegue abrigo num autocarro e fica a saber que as pessoas se estão a transformar em zombies assassinos e é nesse ponto que a situação fica crítica, se é que é possível ficar ainda mais crítica com o ocorrido antes.

Com tenacidade, bravura e amor incondicional pelos filhos, ela empreenderá uma jornada com destino a um lugar seguro, deparando-se com pessoas que se comportarão com ela de forma distinta: alguns zombies travestidos de humanos a ameaçarão, e fiquem atentos a uma cientista que, ao que parece, abusou do direito de realizar as suas experimentações. Aqui cabe uma reflexão louvável ao meio-ambiente, e a defesa por parte do autor para que cuidemos dele, pois experimentações científicas têm limites e como filósofo, abordo o campo da Bioética que exatamente trata sobre este cuidado.

Mas também haverá pessoas boas, e o autor é criativo ao elencar cenários dos mais diversos, fazendo-nos viajar pelo enredo, sendo impagável o momento em que se abrigam num grande navio avariado. Não posso contar mais, sob o risco de estragar o prazer da leitura, mas o folhear da obra mostrou-se agradável também pela excelente diagramação e ilustrações de Alceu Cândido, Bruno Henrique e Rodrigo de Souza. Apesar do trabalho editorial muito bem feito, pecaram em alguns erros conceituais que não chegam a comprometer o todo do livro.

Livro de estreia de Wender Randolfo, mineiro de João Pinheiro nascido em 1996, o certo é que a sua carreira é alvissareira. Pedra bruta que merece ser lapidada, assim como qualquer um de nós que se arvorou a ser escritor um dia, o seu mérito consiste em saber prender-nos à história, não a tornando descartável. Atentem-se para este talento das letras mineiras, essa terra de montanhas que tão bem forma os seus artistas, que, amadurecidos, saem das Minas para ganharem o mundo. Que Wender Randolfo seja um destes.

Coincidentemente, dias após ler este livro, assisti ao filme “Às Cegas” (2018) e senti certas influências veladas (outras nem tanto), ficando apenas como uma pista, podendo ser a nossa heroína Spencer Jones uma espécie de personagem da notável e bela Sandra Bullock.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 2.5 out of 4.

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