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“As acusações feitas aos comunistas em nome da religião, da filosofia e da ideologia em geral não merecem um exame aprofundado.”


“Manifesto Comunista”

Uma das peças literárias mais comentadas do mundo, “Manifesto Comunista”, não chega a ser nem ao menos um livro. Trata-se de um panfleto escrito por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) em 1948 e que exortava os trabalhadores de todo o mundo a revoltarem-se com as condições impostas de trabalho pelos burgueses. A estratégia para a divulgação da peça literária foi ousada, com traduções para o inglês, francês, alemão, italiano, flamengo e dinamarquês.

A ideia seria espalhá-lo por jornais de toda a Europa, tudo complementando as reuniões e congressos de associações de trabalhadores que se iniciaram na Europa, no firme propósito de se alastrar para o mundo todo. Com uma escrita crua e por vezes apocalíptica, a peça é contundente e exerce um fascínio até os dias de hoje, pela atualidade de muitos dos seus enunciados.

Vamos destrinchar um pouco e associar a algumas ocorrências do presente? Os autores discorrem historicamente sobre o surgimento da burguesia, oriunda dos burgos (desculpem-me a redundância) e explicam o avanço histórico onde os senhores feudais foram suplantados por uma nova classe reinante que, após a Revolução Industrial na Grã-Bretanha, arvora para si o domínio dos emergentes meios de produção, passando a especular em cima do capital, daí o termo capitalista, e comandando as economias além-fronteiras.

Pois com a chegada da Revolução Industrial, o surgimento das máquinas a vapor, dos correios e dos telégrafos, mais as vias para o escoamento da produção pelas linhas ferroviárias, o progresso fez com que o conceito de nação se esfarelasse e agora o que um grupo bem abastado de capitalistas queria era apenas expandir o seu capital. Com muita especulação, senso de oportunidade (ou seria oportunismo?) e quebra de barreiras.

Karl Marx

Os reis passaram a ser peças decorativas após a outra importante revolução daqueles tempos, a Francesa. Tudo ia bem, só que se esqueceram de combinar com os russos. Os russos no caso seriam os trabalhadores, os assalariados, os proletários que estavam sob as ordens destes burgueses.

No seu livro mais completo, “O Capital“, Marx já aventara os conceitos de mais-valia e de menos-valia. Isto significava mais ou menos o seguinte: o burguês que era dono da fábrica detinha os meios de produção. Este pagava ao seu funcionário um salário mínimo que não era condizente com o esforço empreendido pelo último. Daí o conceito de exploração, e assim sendo para Karl Marx o patrão roubava sempre o seu funcionário.

Menos-valia é o que este possuía, pois via a sua exploração e não podia fazer nada para escapar àquela situação, porque se simplesmente se revoltasse e pedisse para sair, um outro proletário assumiria o seu posto e ele ficaria sem o nada do pouco que tivera até então. Difícil a sua situação, não? O tão propalado conceito de “exército industrial de reserva”, explicado por Marx. Vamos dar um salto para os dias atuais?

Os conglomerados das grandes empresas fazem-nos perceber que elas não respeitam mais as barreiras, pois tente-se investigar quem são os donos de uma rede de hotéis que atende Lisboa e Porto hoje em dia. Pense-se na Amazon. Na Apple. Na Ford e se fosse citar aqui, daria umas três páginas. Com o avanço da tecnologia no século XXI, as atividades automatizadas requerem cada vez menos o trabalho de um operário, a não ser o de ligar um determinado botão. Esse trabalho alienado (Marx tratou muito bem deste conceito) é o que faz Charles Chaplin no seu clássico “Tempos Modernos” (1936).

O ator e realizador Charles Chaplin no seu filme “Tempos Modernos” (1936)

Voltando ao “Manifesto Comunista”, o comunicado despreza a escrita diplomática e parte para o confronto. Ataca as instituições que apoiam a burguesia, sendo que muitas delas foram solenemente compradas por esta; esclarece de forma pormenorizada que desde o surgimento da sociedade antropologicamente falando, ocorreram lutas de classes e que a simplificação clara de tudo se apresentava na constante luta entre opressores e oprimidos. Podemos relacionar tranquilamente opressores a burgueses e oprimidos a proletários.

Os seus autores desmistificam peculiaridades socialistas na Europa e percebem que muitas das vezes os socialistas participam no jogo dos poderosos, através de reivindicações mitigadas e que não ia de encontro às reais necessidades do povo, que clamava por mudanças. Eles não se entusiasmavam com um palavreado bonito, floridos e sem conteúdo, e não foram poucas as vezes que detonaram essa literatura acomodada, amorfa e vazia.

Mas o que pretendiam Engels e Marx? Eles elencam as pautas, que são as seguintes:

  • Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra para despesas do Estado;
  • Imposto fortemente progressivo;
  • Abolição do direito de herança;
  • Confisco da propriedade de todos os emigrados e rebeldes;
  • Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e com o monopólio exclusivo;
  • Centralização de todos os meios de comunicação e transporte nas mãos do Estado;
  • Multiplicação das fábricas nacionais e dos instrumentos de produção, limpeza das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundo um plano geral;
  • Unificação do trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, particularmente para a agricultura;
  • Unificação dos trabalhos agrícola e industrial; abolição gradual da distinção entre a cidade e o campo por meio de uma distribuição mais igualitária da população pelo país;
  • Educação pública e gratuita para todas as crianças; abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educação com a produção material, etc..

Vamos comentar algumas destas pautas? Podemos observar que Engels e Marx não propagam uma anarquia apenas, aliás, o ideário socialista é bem diferente do ideário comunista que, por sua vez, é bastante diferente do ideário anárquico. Essa visualização de um Estado forte é para que ele não fique à mercê de capitalistas que pouco se importam com a situação do todo da população, olhando apenas para os seus umbigos. Podemos perceber que a proposta de abolir as heranças visava uma melhor distribuição da renda, de forma a não permitir que os mesmos grupos familiares pegassem nos bastões das gerações anteriores e continuassem a perpetuar-se.

Interessante também a dicotomia entre o campo e a crescente cidade, muitas das quais se constituíram no entorno das fábricas e até hoje podemos observar os imensos conflitos populacionais mundo afora. Acontece de muitos possuírem um pedaço paradisíaco de terra, mais no interior, mas não encontrando condições de manter a estabilidade devido ao facto de estarem nas cidades as grandes indústrias, e acaba por migrar para lá sempre o mesmo exército industrial de reserva.

Friedrich Engels

Nos grandes centros, calha de populações inteiras morarem em regiões insalubres, aglomeradas e com uma qualidade de vida bem inferior ao do homem do campo. Tentem respirar num grande centro. O trabalho infantil é exposto e há uma exigência para a abolição dessa condição, para que os miúdos frequentassem as escolas.

“Manifesto Comunista” dá muito pano para mangas e é profético ao anunciar várias situações incipientes que observamos tranquilamente na época atual. As críticas ferinas dos seus autores ao estilo de vida burguês são cortantes, atinentes ao casamento, à complacência das autoridades religiosas, à exploração das mulheres para a prostituição, tanto a oficial como a não oficial, sendo a primeira a mulher do proletário que tem que abrir as pernas em troca da esmola do burguês, e a não oficial os adultérios entre os casais da classe nobre. Fica difícil afirmar que qualquer semelhança com a época atual terá sido mera coincidência.

Todos sabemos do histrionismo e pouca ou nenhuma reflexão nos dias atuais quando os indivíduos começam a discutir política partidária. Muito próximo de linguagem ofensiva temos os termos fascistas, socialistas, comunistas, burgueses, materialistas, progressistas, etc., mas cabe ao comunismo as alcunhas mais deploráveis, tais a de alguém ser um comedor de criancinhas, um ateu declarado, um sujeito de má índole e dos insultos e alcunhas só me faz soltar sonoras gargalhadas. Corro o sério risco de ser taxado de comunista por escrever este humilde artigo, propondo quem sabe o fim do Estado democrático de direito.

Da única coisa que observo, é que o capitalismo e a burguesia são tão bem engendrados que o exército industrial de reserva faz questão de ele mesmo, apertar os seus grilhões e trabalhar calado, comendo os farelos do grande pão que é espremido de cima pelos poderosos. Todos nós, ou a maioria de nós, vive uma vida insignificante pequeno burguesa, mas desde que sobre um dinheirinho para adquirir o telemóvel de última geração que a Apple lançou, que se dane o resto.

Lembremos o enunciado correto de Marx que a indústria tinha o fetiche dos produtos novos e, que para tanto, deveria decretar a obsolescência de todos eles num curto espaço de tempo, pois afinal, devemos lembrar-nos de que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”.

“Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”


“Manifesto Comunista”

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 4 out of 4.

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