Nascido em Nola, uma província de Nápoles, em 1548, Giordano Bruno iniciou os seus estudos impregnados de forte religiosidade, ainda mais que se matriculou na Ordem Dominicana, mas logo percebeu que o ensinamento ministrado ali não lhe apetecia. A Itália (então um amontoado de regiões independentes) ainda estava a sair das tradições medievais, via Renascimento, e o poder da Igreja Católica era muito grande.
Quando Bruno saiu da Ordem e empreendeu viagens, o seu espírito indómito revelou-se: passando uma temporada em Genebra, sob a nova influência calvinista; Alemanha sob a nova influência luterana; na França esteve em Toulouse, Lyon e Paris, ficando sob a tutela do rei Henrique III que lhe solicitou aulas de memórias; a escrita e a figura pública de Bruno destacou-se, chegando a lecionar na Universidade de Sorbonne.
Viajou também a Londres e é no seu retorno a Veneza que o seu inferno astral se inicia, pela sua rebeldia em aceitar as normas vigentes e, além de defender o livre pensamento a todos, foi visto com desconfiança e julgado como herege pela prática de magia negra. Mas vamos nos seduzir por esta magia de pensamento?
Já na Ordem Dominicana, o filósofo insurgiu-se contra os rigores escolásticos da proposta pedagógica. Na área da Filosofia, Platão e Aristóteles eram as figuras mais proeminentes, edulcoradas com as interpretações de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, respetivamente. A metafísica platónica do mundo ideal e mundo sensível, convertido no céu e na Terra agostiniano; mais o motor imóvel de Aristóteles e as suas interpretações de forma e matéria para as substâncias eram o cerne do ensino apresentado.

Mas Bruno insurgia-se contra as ordens da proibição do uso da razão, sendo que os alunos e crentes em geral deveriam abrir mão do ato de pensar e se submeter ao poder de autoridade eclesiástico. Cómodo, não? Manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Giordano Bruno não fazia questão de esconder a sua contrariedade a este método. E na questão Deus (tema central da filosofia neste período), investiga e critica a conceção de um Deus no céu e o ser humano na Terra. Observa a natureza e revela nos seus escritos o entendimento de que Deus é tudo, e de que tudo é Deus. Essa perceção panteísta beirava a heresia à época, pois onde se viu comparar Deus a um relvado onde a vaca se alimenta?
Isso fica bem nítido no filme homónimo, de 1973, dirigido por Giuliano Montaldo, com os atores Gian Maria Volonté (que interpreta Bruno), Charlotte Rampling, Mathieu Carrière, Hans Christian Blech e Renato Scarpa, com banda sonora de Ennio Morricone.
Vamos viajar um pouco no panteísmo de Bruno? O leite da vaca. A vaca come o relvado. A chuva molha o relvado. A chuva advém da nuvem. A nuvem advém do céu. O céu é infinito. O infinito é Deus. Agora façam o percurso de volta. Segundo o filósofo, a Terra deixa de ser o centro do Universo e isso certamente incomodou e muito os eclesiásticos. Ainda para mais que o filósofo insistia na tese de que o exercício de filosofar e do livre pensar tinha a bênção de retirar os grilhões da ignorância e do poder de autoridade.
A sua fama já estava bem estabelecida em Veneza, quando foi preso por prática de magia negra e posteriormente enviado para Roma, quando foi queimado vivo, em 1600. Durante o processo inquisitorial, abjurou, tergiversou e se rebelou. Sabedor que a vida é única nesta Terra, queria continuar vivo para exercer aquilo que mais gostava de fazer: provocar e fazer as pessoas pensarem. Irritou-se com os inquisidores que fizeram um enxerto dos seus livros para o acusarem, retirando muitas das discussões do contexto. E ao cabo de tudo, quando viu que o seu pedido de clemência fora negado, escreveu a mais pungente carta aos seus carrascos, cito:
“Dizei: qual foi o meu crime? Nem ao menos suspeitais?
E me acusais, sabendo que nunca agi fora da lei!
Queimai-me, que amanhã onde acendeis a fogueira
A história erguerá uma estátua para mim.
[…]
Mas sois sempre os mesmos, os velhos fariseus,
Os que rezam e se prostram onde podem ser vistos,
Fingindo fé, sois falsos, invocando a Deus, ateus;
[…]
Prefiro mil vezes minha sorte à vossa;
Morrer como eu morro não é morte;
Morrer assim é a vida; vosso viver, sim, é a morte,
[…]
Covardes! O que vos detém? Temeis o futuro?
Ah! Tremeis. É porque vos falta o que sobra em mim.
Olhai, eu não tremo. E sou eu quem vai morrer!“
Giordano Bruno antecipa muitas das teses científicas e certamente foi uma influência para o físico Galileu Galilei (1564-1642). Influenciou também o notável Baruch Spinoza (1632-1677), de quem trataremos em breve. A sua influência observa-se na forma clara de ver o mundo, que perdura até hoje para mentes não aprisionadas pelos grilhões da ignorância e superstição. Penso que, às vezes, é tão simples somar 2 + 2 e significar 4, que muitos vulgos acabam por ter muitas patranhas na cabeça, como já entendia Arthur Schopenhauer.

Particularmente, sou adepto da sua forma de ver o mundo, e é devido a isso que ao observar a Natureza, sinto a presença de Deus ali, no todo e nas partes, e o meu cérebro me clama e impõe a racionalidade como forma de conduta para levar a minha vida. Sem a necessidade de líderes para pensar por mim (sou autónomo no uso da minha razão e me garanto) e ridicularizando líderes religiosos obscuros que, nos dias atuais, querem tomar as rédeas, para que fiquemos sob as suas asas. A Igreja Católica Apostólica Romana tem uma extensa folha corrida quando o assunto é assassinato.
Tentaram calar a voz de Giordano Bruno e não se atentaram para o óbvio: mataram o homem, impossível controlar a lenda. Extremamente correta a afirmação do apenado no tocante às estátuas: a posterioridade o reverencia como um dos mais importantes filósofos de todos os tempos, com a sua explanação sobre o cosmos, chegando até a investigar a influência da Lua no ciclo menstrual e no movimento das marés, etc. Alude a infinitos mundos e certamente advém daí a sua pecha de bruxo. Aos inquisidores e poder vigente de então, que fiquem relegados ao esquecimento.
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