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Porque A Arte Somos Nós

O trabalho referente ao estilo cinematográfico “Documentário” apresenta-nos um olhar sobre a sua história, os seus aspectos técnicos, e o seu contexto no mundo. Para além da pesquisa teórica, foi feito um estudo a dois documentários do cineasta norte-americano Michael Moore. As obras, posteriormente analisadas, são “Bowling For Columbine“, e “Fahrenheit 9/11“. Estes permitem fazer uma apreciação dos conceitos anteriormente estudados, de forma a exemplificar a parte teórica.

A essência desta categoria cinematográfica é revelar, contar, e explicar algo. Para isso, esta assume uma narrativa que pretende dar a conhecer uma história, à semelhança do resto das categorias cinematográficas. Os temas abordados por esta categoria são bastante abrangentes, desde política, desporto, história, entre muitos outros.

Outro ponto importante de mencionar é a facilidade com que hoje em dia as pessoas consomem cinema e conteúdo audiovisual. Graças a plataformas como a Netflix, ou Amazon Prime, os consumidores têm fácil acesso a vários conteúdos cinematográficos, entre eles, documentários. De referir que estas empresas fazem um grande investimento na criação de conteúdo próprio, com ênfase para trabalhos documentais em variados temas.

Tudo isto, aliado às ferramentas disponíveis hoje em dia (smartphones, computadores, tablets), torna-se mais fácil obter conhecimento e informação através da visualização de documentários – obviamente, dependendo das suas fontes e gestão de conteúdo. O trabalho está dividido em três capítulos principais.

O primeiro capítulo aborda o lado teórico do documentário, a sua história, o seu papel social, o seu peso a nível cultural, assim como os seus modelos, e modos. No segundo capítulo é abordado o perfil do documentalista norte-americano Michael Moore, escolhido de forma a pôr à prova alguns conceitos anteriormente abordados. É feito um levantamento do perfil do cineasta, analisando a sua visão sobre o cinema e sobre o mundo. É abordado o seu perfil controverso, assim como a sua relação com o jornalismo. O último capítulo é dedicado à análise e crítica de dois filmes da autoria de Michael Moore, “Bowling For Columbine”, e “Fahrenheit 9/11”. O trabalho é finalizado com as conclusões de todo o trabalho de pesquisa.

Capítulo I

Documentário

O documentário surgiu da característica original do cinema de registar os acontecimentos quotidianos das pessoas e dos animais. As primeiras evidências históricas, enquanto género cinematográfico, surgiram com o norte-americano Robert Flaherty, que acompanhou a vida dos esquimós do norte do Canadá, de 1912 a 1919, e lançou o filme “Nanook, o Esquimó” em 1922. Este não é um filme apenas sobre Nanook e a sua família, foi feito com o mesmo para registar o passado do povo inuit.

O modo de vida dos seus antepassados ainda estava vivo na memória do esquimó, como caçavam, como construíam igloos, entre outras tradições. “Nanook, o Esquimó” é um filme em que a vocação de preservação da memória, que o cinema privilegia, surge com grande força. Este aprisiona o tempo, não o presente, mas o passado (Penafria, 2004).

“Nanook, o Esquimó” (1922)

Documentar é algo importante do ponto de vista da humanidade. Subjacente a esse acto estará, porventura, a vontade de preservação das nossas memórias, uma tomada de consciência da nossa diversidade ou uma necessidade de nos manifestarmos (Penafria, 2004).

Documentar é algo importante do ponto de vista da humanidade.

Para captar a imagem no local dos acontecimentos, as técnicas e os equipamentos de filmagem tiveram de evoluir. A câmara portátil e o som sincrónico foram os instrumentos que possibilitaram o desenvolvimento da linguagem documental. Desta forma, ao sair do estúdio para gravar com uma câmara foi o primeiro passo para consolidar o filme documentário. O material filmando in loco era prova de que a câmara havia registado algo importante, dando autenticidade ao facto.

O cinema é um testemunho da sociedade que o produziu e, portanto, uma fonte documental histórica por excelência, o que nos permite afirmar que todo o filme é passível de ser utilizado enquanto documento. No entanto, os filmes históricos desempenham uma função documental limitada sobre o período que retratam, principalmente para a pesquisa. Contudo, estes têm um papel significativo na divulgação e na proliferação do conhecimento histórico (Penafria, 2004).

Os filmes podem ser estudados de duas formas. Primeiro, como testemunhos da época na qual foram produzidos e segundo, como representações do passado. Esta separação faz com que o carácter documental dos filmes possa ser primário ou secundário. O filme pode ser utilizado como documento primário quando nele forem analisados os aspectos relativos à época em que foi produzido. No caso de ser utilizado como documento secundário, o foco é dado à sua representação do passado. Exemplo deste último caso, são os documentários criados no século XXI, a retratar o Antigo Egipto, ou a sociedade Romana.

Documentário sobre a sociedade egípcia (National Geographic)
Vídeo documental acerca da civilização romana (National Geographic)

Um filme diz tanto quanto for questionado, isto porque são infinitas as possibilidades de leitura de cada peça cinematográfica. Algumas obras, focando mais a vertente documental, podem ser muito úteis na reconstrução dos gestos, do vestuário, do vocabulário, da arquitectura e dos costumes da sua época, sobretudo aquelas em que o enredo é contemporâneo à sua produção. Mas, para além da representação desses elementos audiovisuais, é nos dado a forma de pensar de uma determinada sociedade, incluindo a sua ideologia (Nova, 1996).

Retrato do séc. XIX; “Barry Lyndon”, Stanley Kubrick (1975)

Documentário acerca do festival Woodstock, em 1969; “Woodstock: 3 Days Of Peace & Music”, Michael Wadleigh (1970)

Trailer: “Barry Lyndon”

Trailer: “Woodstock: 3 Days Of Peace & Music”

Papel Social

O vídeo documentário é um género jornalístico pouco explorado na televisão, sendo uma linguagem regularmente usada no cinema (Fagundes e Zandonade, 2003). Um dos exemplos deste tipo de programas, que assentam numa base de documentário, é o “Sexta às 9”, exibido pela RTP1 às sextas-feiras à noite. Este contém bases jornalísticas, construído numa estrutura documental. O tema escolhido em cada programa é explorado, e contado como uma história, ou seja, é montada uma narrativa com a finalidade de elucidar o espectador acerca do tema abordado.

O documentário de investigação ganha força com o episódio, que se tornou foco de atração no jornalismo, famoso caso Watergate, nos Estados Unidos da América, em que dois repórteres descobrem factos que incriminam o presidente americano Richard Nixon. Este tipo de documentário concentra a linha editorial do programa não em pessoas ou instituições, mas em situações que levaram ao surgimento de determinados factos.

“Os Homens do Presidente”, Alan J. Pakula (1976), retrata o caso Watergate (Dustin Hoffman à esquerda e Robert Redford à direita)

A atuação do jornalista em produções documentais adquire o carácter autoral que se contrapõe à definição de jornalismo imparcial e isento. É necessário que o jornalista procure realçar a investigação que a profissão assim o exige, através da sua atuação interpretativa dos fatos, e poder assim revelar as coisas que aparentemente não são evidenciadas (Pimenta, 2004).

A função do documentário é de estabelecer um elo de ligação entre os receptores da mensagem transmitida e o realizador da obra, de forma a permitir uma empatia capaz de proporcionar uma reflexão sobre os factos quotidianos que os rodeiam.

Graças às novas tecnologias, é mais fácil estabelecer uma ligação entre a peça documental e as pessoas. Estas permitem o visionamento do conteúdo de forma mais confortável, prática, e sem prisão de horários (possibilidade de gravação). Sendo que, para além do papel do criador, compete aos membros da sociedade despertar em si próprios o interesse por um determinado tema, de forma a estarem mais actualizados, criando assim uma maior capacidade de argumentação.

Trailer: “Os Homens do Presidente”

Modelo clássico e moderno

Clássico: O modelo clássico era utilizado no início do século XX, com a escola britânica de John Grierson, baseada em ilustrações e narrações construídas com finalidades, na maioria das vezes, institucionais. Este continha imagens rigorosamente compostas, fusão de música e ruídos, montagem rítmica e comentário em voz off (Luciana d’Anunciação, 2000, cit. in Fagundes e Zandonade, 2003).

Moderno: Este procura uma interação com o público-alvo, de modo a lhes despertar senso crítico e permitir interpretações variadas, de acordo com a realidade de cada espectador (Fagundes e Zandonade, 2003).

Modo expositivo, observacional, interativo e reflexivo

Expositivo: Utilizado por Grierson – pioneiro realizador escocês da vertente do documentário – é definido como um modelo de documentário clássico, baseado no controlo de conteúdos, limites e fronteiras por parte do realizador. Estes documentários geralmente retratavam os problemas sociais da época, que por sua vez, permitia às entidades patrocinadoras utilizarem essa função para demonstrar as soluções que poderiam trazer aos problemas, assegurando assim que a população entendia a mensagem transmitida (Fagundes e Zandonade, 2003).

Observação: Diferente do modelo expositivo, devido à ausência de intervenção do produtor. Na peça, não há comentários ou entrevistas delimitadoras de expressão na tentativa de controlar os acontecimentos ou as pessoas, tal como no modelo expositivo, ou seja, a câmara deve passar despercebida pelos interlocutores de modo a captar a essência do aspecto do quotidiano (Fagundes e Zandonade, 2003).

Interativo: Há a intervenção dinâmica do autor nas situações que retrata, demonstrando o seu ponto de vista aos espectadores (tal como iremos verificar com Michael Moore). Essa intervenção também pode ser evidenciada no modelo expositivo, porém, no interativo, há a presença física do autor, existindo a percepção da sua intervenção na realidade retratada, seja em entrevistas, depoimentos ou outros casos semelhantes. Já no modo expositivo, a intervenção é ideológica (Fagundes e Zandonade, 2003).

Reflexivo: Surgiu como mais uma forma de produção cinematográfica. No filme “O Homem da Câmara de Filmar“, o realizador russo Dziga Vertov é reconhecido como referência também neste modelo, pois utilizava características que expunham o processo de construção do filme documentário, com vista a despertar a reflexão dos espectadores acerca dos factos. Nele, além de apresentar a nova realidade soviética da época, Vertov mostrava todas as fases de produção do documentário, desde as primeiras filmagens até o resultado final (Fagundes e Zandonade, 2003).

“O Homem da Câmara de Filmar”, Dziga Vertov (1929)

Cultural

Dando destaque ao indivíduo, as produções de documentários sobre pessoas e lugares, dá enfoque a personalidades ou regiões que tiveram representações intelectuais, que marcaram a história ou a vida de uma determinada comunidade. Por vezes, o público confunde filmes biográficos com documentários, mas são coisas diferentes (Nova, 1996).

O documentário cultural tem como foco o indivíduo e não o facto.

Para exemplificar essa diferença, podemos pegar num filme biográfico de uma banda musical, e num documentário sobre essa mesma banda. O filme irá contar uma história, que poderá ser baseada em factos reais, mas terá sempre alguma componente de fantasia, ou que foge à realidade do passado. No que toca ao documentário, este será criado através de fontes credíveis, muitas vezes completado por imagens de arquivo, e tendo sempre como foco os factos. Um exemplo disso é traçar uma comparação entre o filme “The Doors: O Mito de Uma Geração” (ficção) e “When You’re Strange“: ambos retratam o passado e vida da banda norte-americana The Doors, com destaque para o seu frontman e vocalista, Jim Morrison.

“When You’re Strange”, Tom DiCillo (2010)
“The Doors: O Mito de Uma Geração”, Oliver Stone (1991)

Bibliografia

Fagundes, Maria Cristina de Jesus e Zandonade, Vanessa. O vídeo documentário como instrumento de mobilização social.2003. Disponível em “http://www.bocc.ubi.pt/pag/zandonade-vanessa-video-documentario.pdf“;

Nova, Cristiane. O cinema e o conhecimento da História.1996;

Penafria, Manuela. O ponto de vista no filme documentário.2001. Disponível em “http://www.bocc.ubi.pt/pag/penafria-manuela-ponto-vista-doc.pdf“;

Penafria, Manuela. O Documentarismo do Cinema.2004. Disponível em “http://www.bocc.ubi.pt/pag/penafria_manuela_documentarismo_cinema.pdf“;

Penafria, Manuela. O filme documentário em suporte digital.1999. Disponível em “http://bocc.ubi.pt/pag/madail-penafria-digital.html“;

Pimenta, Marilu Ribeiro. Moore than this! Um estudo sobre o filme documentário de Michael Moore.2004. Disponível em “http://www.bocc.ubi.pt/pag/pimenta-marilu-filme-documentario-michael-moore.html#SECTION00410000000000000000“;

Diogo Passos

Não percam a continuação do trabalho científico, porque nós também não…

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