Não passou meio ano desde que “The Trial of the Chicago 7” (2020) focou a lente numa série de figuras determinantes do Movimento dos Direitos Civis norte-americano. Dentro do painel, Fred Hampton, interpretado por Kelvin Harrison Jr., destacava-se como líder dos Panteras Negras. Todavia, no filme de Aaron Sorkin, Hampton representou um papel meramente simbólico, uma peça num puzzle numeroso. Em contraste, “Judas and the Black Messiah” reduz os players e concentra-se na relação entre o cabeça de lista dos Panteras e um rato. Uma dinâmica com consequências fatais e ramificações que ainda hoje são tangíveis.
O roedor é, claro, figurado pelo infame Bill O’Neal (LaKeith Stanfield). Um ladrão-agora-informador do FBI que tem a missão de se infiltrar no Partido dos Panteras Negras e reportar as ocorrências. Era isto ou mais de seis anos na prisão, segundo as contas do agente Roy Mitchell (Jesse Plemons), o responsável pela investigação das ações do Partido, que nos finais dos anos 60 estava bastante ativo. Sob a liderança de Hampton (Daniel Kaluuya), pretendiam coligar-se aos The Crowns (uma amálgama fictícia de grupos ativistas que existiam à época) e expandir a influência das suas ideologias pela cidade de Chicago e seguintes.

Realizado e coescrito por Shaka King, o filme procura encapsular diversas vertentes numa dramatização de duas horas que é, na sua maior parte, bem-sucedida. Constitui tanto uma cinebiografia de Fred Hampton como um thriller histórico que está preocupado em autenticar a época que retrata. Sem grande prejuízo para a figura que anima o núcleo emocional da narrativa, o verdadeiro protagonista: Bill O’Neal. A personagem cuja lealdade é uma dúvida permanente. Não porque o argumento a dotou de motivações ou características patentes. Pelo contrário, está até subdesenvolvida. Mas porque o ator LaKeith Stanfield desempenha o papel com tiques nervosos e uma atitude misteriosa, extraindo o máximo da persona.
De modo igualmente diligente, a estética da direção de fotografia remonta ao cinema noir dos anos 40: as cenas são iluminadas estrategicamente para destacar silhuetas ou cobrir parte das faces das personagens; os ângulos são, por vezes, obtusos e obscuros; auras de fumo de cigarro dissipam-se em torno dos atores; alguns planos-sequência isolam os intérpretes que caminham pelas ruas. Além da harmonia do mosaico imagético, “Judas and the Black Messiah” também está em sintonia temática com as narrativas clássicas do género, dado o caráter inevitável do desfecho da história.

História esta que é, para todos os efeitos, uma alegoria bíblica – bem expressa no título – com um fundo político deveras instável. O segundo ato sofre um pouco com o decréscimo do ritmo e da intensidade do motivo narrativo. Contudo, desenvolve de forma económica a relação entre Hampton e a sua cara-metade, Deborah Johnson, interpretada pela magnífica Dominique Fishback. A pessoa que humaniza o orador carismático no seio de uma relação que ecoa a ternura de Tish Rivers (KiKi Layne) e Fonny (Stephan James) em “Se Esta Rua Falasse” (2018). A personificação de Daniel Kaluuya é carismática e mais do que competente, mas é este ângulo amoroso que sobressai quando as balas voam na direção da tragédia.
Destemido e com uma visão muito concreta da evolução do enredo e da atmosfera que pretende evocar, Shaka King revela maturidade no seu ato de narrar. Nem mesmo a música, cortesia dos compositores Craig Harris e Mark Isham, passa despercebida. Intoxica as cenas com uma sonoridade expressiva. Umas vezes caótica, outras vezes mais coesa. Um elemento fundamental para alimentar o drama nos momentos em que carece de maior energia.
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