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Será um thriller estilizado? Uma comédia-romântica esperançosa? Um drama sobre um trauma persistente enfatizado por circunstâncias políticas e pessoais? De um modo muito particular, a estreia da cineasta Emerald Fennell, “Promising Young Woman”, é capaz de ser tudo e o seu contrário. Um mix de géneros arrojado que ainda por cima tem a destreza de desafiar as suas convenções. Algo que é per si admirável, mas que se torna altamente persuasivo quando é embrulhado numa narrativa coesa, surpreendente e, acima de tudo, muito entusiasmante.

Era uma vez uma jovem esperançosa que estudava medicina. Estava no topo da sua turma, em conjunto com uma grande amiga. Até que um dia a sua companheira sofreu uma tragédia. Impactada com o que acontecera, a jovem deixou de estudar e começou aos poucos a desacreditar-se na sua vida, movendo-se apenas pelo ódio e sede de justiça.

Essa jovem mulher chama-se Cassandra (Carey Mulligan), e todas as semanas finge-se intoxicada num bar e espera que um homem de cavalo branco a venha socorrer, que é como quem diz: aproveitar-se dela. Já em casa do Don Juan, Cassy revela que está, na verdade, a interpretar. Com consequências potencialmente mortais para o abusador.

Cassandra (Carey Mulligan)

Esta é apenas a ponta do iceberg da história, no entanto, acredito que quanto menos sinopse escrever, maior será o aproveitamento da obra. Muito porque tem a capacidade de subverter as expetativas de uma forma orgânica à fábrica da narrativa, ao estilo de “Um Pequeno Favor” (2018). Neste aspeto, o filme, tal como a protagonista, domina a arte de manipular o espetador em prol do interesse e divertimento contínuo. Qualidades que são reforçadas pela atitude que demonstra, a maneira como aborda os seus temas e a performance hipnótica de Carey Mulligan.

Em primeira instância, importa salientar aquele que é talvez o seu aspeto mais diferenciador: a personalidade pop-rock que expressa através da direção de arte colorida, banda sonora empoderadora e direção de fotografia provocadora. O cenário evoca um estado de espírito animado que contrasta diretamente com os tópicos mais sombrios do enredo. Músicas como It’s Raining Man e Toxic, em versões adaptadas, estabelecem o ambiente das suas respetivas cenas e do que está para vir. Já os planos, personificam o olhar masculino de forma tão entertaining como crítica.

“Promising Young Woman”

Estes ativos distinguem o filme quando comparado a, por exemplo, “M.F.A.” (2017), um thriller com a mesma veia temática. Ambos os argumentos têm uma deliciosa dose de vingança e um forte apoio da mais recente vaga feminista. Um movimento que tem implícito a negação de qualquer tipo de submissão da mulher. Em concreto, as histórias retratam casos de violação, nas quais as mulheres são menosprezadas porque “não vamos pôr em causa a vida de um homem, sem termos a certeza”.

Embora “Promising Young Woman” consiga explorar as ramificações desta premissa, faz falta uma zona cinzenta que coloque Cassy a ponderar sobre as consequências mais extremas das suas ações, os confins da misandria.

Em vez de aprofundar a crítica social no terceiro ato, o caminho trilha-se por ruas mais lúdicas, o que acaba por estar em conformidade com o que antecedeu. De conversa em conversa, algumas cenas registam momentos de tensão equiparáveis às do cinema de Quentin Tarantino. Isto acontece quando o autor aposta em longas sequências de diálogos que conseguem ser mais intensos com verbos do que muitos filmes de ação com explosões e rastilhos. Aqui as cenas não se prolongam tanto, contudo, a emoção que transmitem e a dinâmica de poderes envolvidos é semelhante.

A sustentar estes elementos está um fio condutor espesso e robusto, na forma da atriz Carey Mulligan, que caminha a passos largos para a sua segunda nomeação nos Óscares num papel principal. Não apenas porque a interpretação é difícil, – tem de apresentar uma postura indiferente para com o mundo e ao mesmo tempo deixar passar vislumbres de vulnerabilidade – mas também porque expande o alcance da atriz enquanto profissional. O seu sucesso é, de igual modo, o testemunho de Emerald Fennell na cadeira da realização, que guia Mulligan para uma das melhores encarnações da sua carreira.

Dito isto, a quem se refere o título “Promising Young Woman”? Será a personagem, a atriz ou a cineasta? Deixo ao vosso critério, na certeza de que para mim a resposta é múltipla.

Bernardo Freire

Rating: 3.5 out of 4.

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2 thoughts on ““Promising Young Woman”: A promissora arte de manipular

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