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No nascente país independente Estados Unidos da América, em início do século XIX, viveu um pensador chamado Henry David Thoreau. Nascido em Concord, Massachusetts, a 12 de julho de 1817, e falecido na sua cidade natal, a 6 de maio de 1862, Thoreau um dos destaques no campo intelectual de sua Pátria. São louváveis os artífices da Independência do país, como os casos de Benjamin Franklin (1706-1790) e Thomas Jefferson (1743-1826), mas o certo é que professam ideias pragmáticas e importantes, pois estes e outros formaram uma emergente Nação. No campo da especulação intelectual, Thoreau sobressai-se pela sua independência e firmeza de propósitos.

Tinha por hábito empreender longas caminhadas pelas florestas, chegou a construir uma cabana para se afastar do convívio com os iguais e refletir respirando o ar puro do campo. Não tinha apreço pelo homem comum, chegando a afirmar que a democracia permitia cachorros e cavalos votarem. Espero que entendam a subtil ironia. De pensamento desconcertante, incomodou aos poderosos que viam nele uma ameaça, ainda mais quando publicou o seu panfleto “Desobediência Civil”.

Publicado em 1849, o livro de 26 páginas (Editora Martin Claret) é de entendimento simples. O autor prega um anarquismo pacífico detratando o Estado e conclama a todos a, pacificamente, deixar de pagar impostos. Atualizemos a sua linha de pensamento: quando pagamos impostos e, quando não observamos a contrapartida desconfiamos que o nosso dinheiro está a financiar políticas infrutíferas, e o certo é que em qualquer país o contribuinte paga as despesas em hotéis cinco estrelas, viagens executivas de avião e salários gordos de funcionários incompetentes. Claro, em toda a regra existem exceções.

O escritor norte-americano Henry David Thoreau

A visão de Thoreau é simples e cortante: entende que o dinheiro que está no seu bolso não precisa de ir para o bolso do Estado, ele que se vire para pagar as suas exorbitantes contas. Segundo Thoreau, essa despesa não faz sentido, e o certo é que isso incomodou em muito as autoridades constituídas à época. Neste trecho, percebemos todo o seu desprezo pelo Estado:

Percebi que o Estado era um idiota, tímido como uma solteirona às voltas com a sua prataria, incapaz de distinguir os seus amigos dos inimigos. Todo o respeito que ainda tinha pelo Estado foi perdido e passei a considerá-lo apenas uma lamentável instituição. Por conseguinte, o Estado não observa intencionalmente o sentimento intelectual ou moral de um homem, mas apenas o seu corpo, os seus sentidos.

É uma instituição carente de génio superior ou de honestidade, dotada apenas de demasiada força física. Mas eu não nasci para ser coagido. Hei de respirar da forma que eu mesmo escolher. Veremos quem é mais forte. Que força tem uma multidão! Só os que obedecem a uma lei mais alta do que a minha é que me poderão coagir.

Então, vão encarar? Diante de tamanho acinte, o Governo encarou-o. Como a coisa ultrapassou a esfera da liberdade de expressão, e estando Thoreau a dever impostos ao Estado, foi obrigado a pagar. Ou pagava ou iria preso. Escolheu a segunda opção. Só ficou contrariado quando a sua tia pagou a fiança e os devidos impostos. Ele preferiria ficar preso a ter que financiar gente incompetente, na estrutura do Estado e do governo.

Emblemático o facto de Thoreau ter escrito este panfleto às portas da tão propalada “idade da razão”, ou seja, 33 anos. A língua e a pena do pensador estavam afiadas, sendo a sua prosa concisa e elegante. Não à toa figurou e permanece até hoje como modelo de entidades e pessoas que questionam a autonomia de um Estado. Mas, é importante destacar, o libelo de Thoreau é pacifista, e nem de longe se assemelha ao panfleto revolucionário meio apocalíptico de “O Manifesto Comunista“, de Karl Marx e Friedrich Engels, lançado na mesma época.

“Desobediência Civil” foi lido e interpretado por Mahatma Gandhi (1869-1948) durante a sua guerra pacifista contra a Inglaterra e os imperialistas. Thoreau é autor de outras excecionais obras, em artigos que apregoavam a necessidade e importância de andar a pé e certamente sem querer foi um dos responsáveis por incentivar as trilhas para caminhadas em muitas partes do mundo e, nos Estados Unidos, com muitos cenários deslumbrantes, esse encontro com a natureza é um retorno ao paraíso que perdemos. Querem ter uma ideia melhor disto? Leiam e assistam a “O Lado Selvagem“, de forte inspiração thoreauniana.

Mahatma Ghandi

Encerro este artigo conclamando a todos a refletirem sobre todos os impostos que pagamos e para refletirem se são justos ou injustos, realizando o exercício da crítica e evitando legislar causas próprias. Da minha parte, e atinente ao país, Estado e município em que moro, em muitos momentos sinto-me um Thoreau dos trópicos, entendendo que o dinheiro dos meus impostos se dirige a energúmenos que não sabem dirigir nem uma empresa particular, que dirá um País, Estado ou Município.

Podem-me acusar de ser elitista, mas, com todo o respeito que tenho pelos cavalos e cachorros, sinto que muitos escolhem os seus representantes com os cérebros e atitudes destes animais irracionais.

Para deleite dos leitores, deixo-vos algumas provocações de Thoreau contidas no seu “Desobediência Civil”:

Ao defrontar um governo que me impõe ‘A bolsa ou a vida!’, porque me deveria apressar em lhe entregar o meu dinheiro? Provavelmente esse governo esteja a passar por um grande aperto, sem saber o que fazer. Não posso ajudá-lo. Ele que cuide de si próprio. Que aja como eu ajo. Não vale a pena choramingar a esse respeito. Individualmente, não sou responsável pelo bom funcionamento da máquina da sociedade. Não sou o filho do maquinista.

Escassa virtude é o que se vê nas ações da grande turba.

Um homem precisa ser um homem e ter, como diz um vizinho meu, uma coluna dorsal que não se dobre aos tapinhas dos poderosos.

A massa de homens serve ao Estado não na sua qualidade de homens mas sim como máquinas, entregando os seus corpos. Constituem eles o exército permanente, a milícia, os carcereiros, os policiais, posse comitatus, e assim por diante. Na maioria das vezes não há qualquer livre exercício de escolha ou de avaliação moral. Diferentemente, esses homens se igualam à madeira, à terra e às pedras. Creio ser possível que se consigam fabricar bonecos de madeira com o mesmo valor de homens desse tipo. Não merecem mais respeito do que um espantalho ou um monte de terra.

Valem tanto quanto cavalos e cachorros. É comum, no entanto, que homens assim sejam apreciados como bons cidadãos. Há outros, tal qual a maioria dos legisladores, políticos, advogados, funcionários e dirigentes, que servem ao Estado principalmente com a cabeça, sendo bastante provável que eles sirvam tanto ao diabo quanto a Deus – sem intenção –, já que raramente se dispõem a fazer distinções morais. Uma quantidade bastante reduzida há que serve ao Estado também com a sua consciência: são os heróis, patriotas, mártires, reformadores e homens, que acabam por isso necessariamente resistindo, mais do que servindo. Conquanto isso, o Estado trata-os geralmente como inimigos.

Marcelo Pereira Rodrigues

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