O que faz de uma obra e autor um clássico? Certamente é a atualidade e perspectiva, mesmo passado algum tempo e a comprovação de que algumas realidades e sentimentos permanecem. Este é o caso de “A Educação Sentimental”, de Gustave Flaubert (1821-1880). Este livro publicado em 1869 retrata a vida de Fréderic Moreau, jovem que sai da província de Nogent-sur-Seine para cursar Direito em Paris. Amigo de Deslauriers, apaixona-se por uma mulher casada (Senhora Arnoux) e acaba frequentando a casa do seu marido, de quem é amigo.
O Senhor Arnoux é um comerciante inescrupuloso e que vive fugindo dos credores. Alguns personagens destacam-se nesse romance realista: o dono do armazém Dussardier, Sénécal, um jovem estudante socialista revoltado com a burguesia, Rosanette, a cortesã cabeça oca, o Senhor Dambreuse, grande industrial e político influente e Hussonet, jornalista, poeta e amigo de Sénécal. Estes e outros.

Fréderic pode ser considerado um alter ego do seu criador. É revelador acompanhar as peripécias do rapazote que sai da província e que se apaixona infantilmente por uma mulher casada. Dada a impossibilidade do enlace, aos poucos acaba se transformando em um hedonista e em um cínico no que toca aos assuntos do coração. Vaidoso e interesseiro, contumaz arrivista, acaba se dando bem no tocante à uma herança que recebe de um tio, mas isso parece lhe tornar a conduta mais perdulária. Ao mesmo tempo, é inocente ao não saber distinguir as pessoas que se aproximam dele para ganhar vantagens.
A sua relação com o comerciante Arnoux é ambígua: ao mesmo tempo em que lhe deseja a mulher, empresta-lhe dinheiro a fundo perdido e só é passado para trás. Envolve-se também com a amante do comerciante e chega a ter uma criança com ela. O seu melhor amigo, de tão melhor amigo que é, consegue agir nas suas costas e tenta viver a vida de Fréderic, lhe traindo. Com o passar das páginas, revela-se o aspecto fútil da sua existência, mas a voz omnisciente do narrador não faz juízos de valor a todos esses arroubos. Percebi certa verosimilhança com “Ilusões Perdidas“, de Balzac (1799-1850), no tocante a um jovem que sai da província (Luciano de Rubempré) e tenta vencer em Paris.


Em encontros furtivos com a senhora Arnoux, o excesso de cortesia da relação faz viver aquela máxima de que as melhores histórias de amor são aquelas que não são vividas. Entre idas e vindas, numa conquista laboriosa e paciente, enfim ocorre a possibilidade de um encontro para consumar o ato corporal do amor, mas a providência divina (para a senhora) impede essa relação. Ele irá ou não se envolver carnalmente com ela? Deixo em aberto, para não atrapalhar o interesse pela leitura do livro em si.
Misto de Romantismo e Realismo, as vicissitudes de seus personagens são deixadas de lado no momento em que as ruas de Paris são palcos de conflitos e revoluções, sendo a de 1848 a mais importante. Com olhar frio e desapaixonado, Flaubert desmistifica o heroísmo dos atores e descreve a mesquinharia dos interesses dos revolucionários, facto que não lhe rendeu boa recepção quando o livro foi lançado. Mas ele não queria se render ao óbvio, daí essa polémica na receptividade dos seus leitores. Aliás, os romances de Flaubert, por colocarem muito o dedo na ferida, nunca passam incólumes. Ele foi um espectador privilegiado desse momento da história.
Flaubert, a exemplo do que fez em “Madame Bovary“, aqui se reveste como o grande psicólogo de almas e denuncia as mazelas e hipocrisias de uma sociedade doente. Um livro que me acompanhou durante quase um mês, proporcionando-me boas reflexões e risadas acerca das aventuras e desventuras do seu protagonista.
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