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Porque A Arte Somos Nós

Karen Maine passou a sua adolescência em Iowa, nos EUA, e teve uma educação cristã semelhante à de imensas pessoas no Ocidente. Hormona puxou hormona e a menina da altura descobriu o problemático mundo da masturbação. Com ele, uma onda de culpa, indecência e conflitos internos precipitou-se na sua mente. Numa cabeça tenra, o facto de a igreja condenar veementemente o ato e não se falar o suficiente sobre o assunto foi o suficiente para a adolescente formar uma muralha de ferro que dividia a vergonha e um auto-descobrimento saudável.

Com os objetivos de gerar diálogo sobre a sexualidade e normalizar a masturbação, Karen realizou a curta-metragem “Yes, God, Yes” (2017), que expandiu anos depois para a sua primeira longa-metragem, com o mesmo nome, e protagonizada pela mesma atriz – Natalia Dyer, no papel de Alice. Estamos no início dos anos 00′, nos Estados Unidos, e Alice, uma jovem a estudar numa escola católica, começa a despertar os seus prazeres carnais depois de uma estranha interação online. A sua jornada pela procura de entendimento tem continuidade num acampamento cristão, onde testemunha alguns encontros incomuns e outros escandalosos.

O tom satírico desta comédia dramática é visível desde o início, onde a autora coloca uma explicação do que significa a expressão “salad tossing” (um ato sexual que envolve a boca e o rabo) logo a seguir a um verso da Bíblia. Esta sequência prepara-nos para o teor desafiante do filme, que embora esteja mais interessado em repreender qualquer tipo de fundamentalismo do que atacar a instituição da Igreja, não deixa de apontar com gravidade algumas das suas hipocrisias. Por extensão, coloca também a pensar como é que existem padres, que supostamente estão em celibato, a dar aulas sobre educação sexual. Será este o tipo de preparação para a vida sexual que queremos para os nossos filhos?

Natalia Dyer (Alice)

Estas e outras questões são evocadas ao longo da narrativa, que vai garantindo risos e uma ou outra gargalhada. Muito por causa de Natalia Dyer, que na pele de Alice oferece o charme e a inocência de uma menina que cedo tornar-se-á mulher. O seu aspeto franzino e face angelical, aliado às expressões de choque e curiosidade ao presenciar alguns momentos mais explícitos fazem com que alcance uma das interpretações cómicas mais interessantes do ano. É uma presença essencial para disfarçar a ausência de sub-enredos mais densos, ou tópicos que o filme introduz sem depois deixar explorar com a complexidade que por vezes precisam.

Compactado em apenas 78 minutos enérgicos, a narrativa flui sem grandes sobressaltos, caindo menos bem quando o humor acaba em seco e a cena precisava da reação positiva para que funcionasse em pleno. Não é tão severo como “Boy Erased” (2018) e muito menos dramático do que “The Miseducation Of Cameron Post” (2018), por outro lado, a cineasta oferece com “Yes, God, Yes” (2020) uma estreia louvável, repleta de temas provocadores e um desejo imenso de por termo à repressão dos desejos mais primários, porque como refere uma personagem esporádica no filme: “… nobody knows what they’re doing any more than the rest of us. We’re all just trying to figure out our shit“.

Bernardo Freire

Rating: 3 out of 4.

IMDB

Rotten Tomatoes

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