Fernando Pessoa, em si próprio, era uma marca múltipla, uma marca diversa, é alguém que tinha muitos eus. Sendo um homem tão aparentemente banal do ponto de vista físico, é impressionante como se tornou um ícone gráfico.
“O Livro do Dessassosego” (1982), uma das suas obras-primas maiores, levou 20 anos a ser escrita e Fernando Pessoa, um dos maiores escritores do século XX, havia de morrer sem a conseguir concluir. Eis um não-livro escrito por um homem que não existiu. Pessoa é, por isso, um dos nossos maiores artigos de exportação (intelectual).
O escritor nasceu há pouco mais de 120 anos, um génio — ou talvez, cinco génios num só — que ia além dos limites normais, das pessoas, que conseguia pensar um pouco mais, que conseguia pensar com outra profundidade. Um ser humano esdrúxulo, um pouco louco. Perde o pai, vítima de tuberculose, com apenas cinco anos. Escreve sempre na língua que o poema falar, procurando um gémeo imaginário, um duplo, um outro (que somos nós próprios).
Ao longo da vida, terá “inventado” mais de 70 heterónimos. Bernardo Soares (semi-heterónimo), autor de “O Livro do Dessassosego”, O mestre, Alberto Caeiro, o médico e classicista Ricardo Reis e o engenheiro futurista Álvaro de Campos mostram que Fernando Pessoa(s) era, simplesmente, os cinco primeiros melhores poetas portugueses. Eis que com ele sobressai a condição do ser humano moderno: saber que temos uma determinada identidade apenas contingentemente.
Em 1915, Orpheu, uma nova revista que partilhava o atrevimento e vanguarda de uma nova geração que ia desde Fernando Pessoa a Álvaro de Campos, até Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Amadeu de Souza-Cardoso e Santa-Rita Pintor — inclusive, rotulada por muitos de “Literatura de Manicómio” — e juntos lutavam, fundamentalmente, contra o aburguesamento das artes e o provincianismo do país.
Eram infinitas as respostas às perguntas: Quem sou eu? Como explicar a realidade? Fernando Pessoa ultrapassou em muito — e é por isso que continua tão actual — a questão da época, a questão do romper com a tradição.
Em 1935, Fernando Pessoa é internado, diagnosticado com uma cólica hepática. No dia seguinte, sucumbe, depois de perguntar pelos seus óculos. As suas últimas palavras escritas foram: I know not what tomorrow will bring.
Um génio (que ainda hoje continua) muito à frente do seu tempo.
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