A película de que vos venho falar hoje intitula-se “The Handmaiden” (“A Criada“). Esta foi produzida em 2016 por Chan-wook Park e conta nos papéis principais com a deslumbrante Min-hee Kim, Tae-Ri Kim, Jung-Hoo Ha e Jin-woong Cho. O formato em que a narrativa nos é apresentada é, à semelhança de “Parasitas”, no mínimo desconcertante, optando o realizador por nos revelar a mesma [narrativa] em tempos discricionais distintos, trazendo elementos novos a cada instante da trama e mantendo-nos expectantes quanto ao final.
Devo confessar que até à explosão do fenómeno “Parasitas” (Bong Joon Ho, 2019), não tinha prestado a devida atenção à produção cinematográfica sul-coreana e, por isso, senti-me impelido a explorar um pouco mais esse território. Boa a hora em que o fiz, pois com grande surpresa, verifico que os cineastas, atores, e restantes equipas sul-coreanas, produzem um trabalho de grande qualidade, digno de ser acompanhado com alguma atenção.
O filme está dividido em três partes. Na primeira, é-nos apresentada a história do início até ao que nós julgamos ser o seu epílogo. Na segunda, o realizar desmonta a história com a adição de cenas completas relativamente ao que vimos na primeira parte. Ou seja, revê-mos o filme mas com as cenas completas que não nos foram reveladas na primeira parte.
E, na terceira parte, dá-se efectivamente o epílogo da história com a inversão de alguns factos descritos atrás e que de forma mais ou menos espectável se concretizam de acordo com o nosso feeling. Trata-se de um drama/thriller com imenso erotismo à mistura, com muita qualidade, como deve de ser. Uma abordagem segura ao que de melhor e pior a mente humana é capaz de conceber.

Como já devem ter compreendido, não é minha intenção falar muito sobre a história propriamente dita, pois ao fazê-lo poderia estar a retirar o que de melhor este filme tem, o factor surpresa. No entanto, sempre vos posso ir adiantando que a história se centra numa herdeira de origem nipónica que vive com o seu tio (que é obsessivo por literatura e encenação de cariz sexual) e que vai ser alvo de um esquema macabro por parte de um vigarista para lhe “sacar” a fortuna, libertando-a simultaneamente do tio doentio e claustrofóbico, tudo o resto é surpresa, como já referi.
A qualidade dos cenários em que o filme é rodado é irrepreensível, trazendo-nos constantemente à vista o ambiente de inspiração japonesa com todas as suas regras e etiquetas. Saliento os magníficos jardins nipónicos e um guarda-roupa extremamente fiel à época (a narrativa desenvolve-se na década de 1930 entre a Coreia e o Japão). O desempenho das actrizes e dos atores é irrepreensível, revelando uma grande maturidade por parte dos mesmos e uma produção firme que sabe claramente o que quer. Não querendo ser injusto, saliento claramente o desempenho de Min-hee Kim, que para além de ser, como já referi, deslumbrante, é efectivamente uma atriz com uma enorme capacidade e que assume o seu papel na íntegra, sem reservas.
Em suma, aconselho vivamente que vejam esta película, que, como já referi, está carregada de muito erotismo mas que contém muito mais do que isso. É uma clara abordagem aos sentimentos do ser humano no contexto em que se desenrola a história, abordando de forma inequívoca a cultura instituída em determinados ciclos sociais à época, com tudo o que isso envolve no choque de estratos sociais, tão bem marcados nas sociedades coreana e nipónica. Obrigatório.
Bons filmes. Protejam-se.
Jorge Gameiro
One thought on ““Ah-ga-ssi” (“The Handmaiden”): Surpresas coreanas”