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Porque A Arte Somos Nós

Nascido em Lisboa, o jovem escritor e colaborador d’OBarrete Bernardo Freire, editou o seu primeiro livro sobre Cinema. Este é composto por críticas, análises e ensaios, de forma a glorificar a Sétima Arte e os seus agentes – no bem e no mal. O título da obra literária dá-se por “Visão de um Crítico – Reflexões e Ensaios de Cinema“, tendo esta sido apresentada no passado dia 03 de Setembro, no Quartel das Artes Dr. Alípio Sol, por iniciativa da Câmara do Município de Oliveira do Bairro, Aveiro. No rescaldo do evento, o também nosso colaborador, Tiago Ferreira, decidiu entrevistar Bernardo Freire de forma a desmistificarmos a alma do artista. Eis o resultado:

Como nasceu essa tua paixão pelo cinema?

R: Aconteceu tudo de forma muito espontânea. Estive em contacto com as imagens em movimento desde tenra idade, não pelo seu consumo no escurinho das salas de cinema, mas sim por meio de cassetes de vídeo e DVDs. Os meus pais eram ávidos consumidores de tecnologia e gostavam de estar a par das tendências. Naturalmente, cresci rodeado destes objetos que transportavam histórias, aquilo que me fascina.

Contudo, apercebi-me do lado mais técnico desta arte quando comecei a assistir às cenas dos bastidores que vinham em alguns DVDs. Recordo-me vivamente de ver os materiais bónus de “O Senhor dos Anéis – As Duas Torres” (2002) e vibrar com as minúcias da produção da batalha de Helm’s Deep – que moldou a minha perceção da palavra épico. Mais tarde, já adolescente, a faceta histórica e a conversa que os filmes estabelecem uns com os outros, foi aquilo que me catapultou para o plano crítico.

Os críticos Tiago Ferreira, Bernardo Freire e Luís Ferreira (esquerda para a direita) na apresentação do livro “”Visão de um Crítico – Reflexões e Ensaios de Cinema” (Artelogy, 2022) / Município de Oliveira do Bairro

Como aconteceu a ideia do nascimento deste livro?

R: Corria o mês de setembro de 2021 e fui ao cinema ver “A Lenda do Cavaleiro Verde“, de David Lowery (um dos destaques do respetivo ano), com o Diogo Vieira, amigo e colega de análise crítica. Estávamos na cidade invicta e, depois do filme, seguiu-se uma cerveja, um passeio e uma francesinha.

Nesse jantar, a certo ponto, a obra literária de Marcelo Pereira Rodrigues, respeitado escrito brasileiro e cronista na revista digital OBarrete, foi o tema de conversa. A troca de palavras passou por um dos seus recentes sucessos – “Um Mergulho na Literatura Clássica” (Helvetia Editions, 2020). O livro em que o autor compõe um mosaico analítico de obras de renome como “Os Irmãos Karamázov“, de Fiódor Dostoiévski, ou até “A Montanha Mágica“, de Thomas Mann.

Fiquei desde logo interessado em replicar esta estrutura com a temática do cinema e foi precisamente aí que surgiu pela primeira vez a ideia de compilar num livro o conjunto de textos de análise crítica que está atualmente disponível.

Quem são as tuas maiores referências no cinema, e porquê?

R: É uma pergunta que, apesar de ter uma resposta mais ou menos constante, está em permanente reavaliação. Existem milhares de filmes e centenas de cineastas potencialmente interessantes – principalmente para quem não encontra fronteiras geográficas na sua cinefilia. Posto este preâmbulo, tenho tido encontros fílmicos com cineastas que me tocaram de forma intensa e particular.

Um deles é o cantonês Wong Kar-Wai, uma referência de sensibilidade ímpar na forma de expressar romance e melancolia no grande ecrã. Apesar de ser comumente consagrado por obras como “Chungking Express” (1994) ou até “Disponível para Amar” (2000), é a sua estreia atrás das câmaras, “Ao Sabor da Ambição” (1988), que continua a fascinar-me visualização após visualização. É um poeta de imagens, capaz de conjurar um tom raramente replicado e inteiramente seu.

De seguida, o norte-americano Martin Scorsese não é um nome que cito com frequência como sendo uma das minhas referências, mas sei que tenho o seu cinema impregnado no meu subconsciente. As suas parábolas morais, que cobrem os mais variados géneros, estão carregadas de literacia cinematográfica e paixão pelo formato. É principalmente conhecido por filmes como “Taxi Driver” (1976) e “Tudo Bons Rapazes” (1990), exemplos paradigmáticos das consequências da violência nos seus filmes. O certo é que, mais do que a violência externa destes enredos, é o temor da paixão impossível em “A Idade da Inocência” (1993) que me faz olhar o cineasta com uma outra admiração.

Para completar um trio de exemplos evoco o sul-coreano Park Chan-Wook, o cérebro responsável por uma das minhas trilogias de eleição: a trilogia da vingança. Porém, se dúvidas houvesse no que diz respeito à mestria do cineasta, “A Criada” (2016) deitou-as por terra. Uma aula cinematográfica soberba, sobre o poder da perspetiva numa narrativa repleta de melodrama, traição e tensão sexual. Já não se fazem muitos filmes deste calibre, nem cineastas.

Não as querendo enumerar, estou certo de que estas são três das minhas mais importantes referências.

“Disponível para Amar”, realização de Wong Kar-Wai (2000)

Se tivesses que descrever o que é para ti o cinema (e a experiência de ver cinema), de que forma o farias?

R: O crítico de cinema norte-americano Roger Ebert (1942 – 2013), dizia sabiamente que o cinema é “uma máquina de gerar empatia“. Estas palavras sempre tiveram particular ressonância em mim porque descreviam como uma luva aquilo que sentia quando via um grande filme.

Não importa a emoção que evoque, quando um filme está a funcionar em pleno há um compromisso para com a história e respetivas personagens. Vivemos as suas vitórias e derrotas, os seus falhanços e os seus momentos de glória. Temos a oportunidade de, durante algum tempo, passar por experiências singulares – algumas das quais nunca vamos querer sentir na pele – e isso aproxima-nos do nosso semelhante porque a interação é de tal modo intensa que sentimos o que ele sente.

Em última instância, o cinema tem a capacidade de nos transportar, fazer-nos absorver realidades e conceções de um modo que nenhuma outra forma de arte consegue rivalizar.

Qual a importância da crítica de cinema, no teu entender, nos dias de hoje?

R: De forma pragmática, a crítica de cinema desempenha três grandes papéis: informar, avaliar e divulgar.

A crítica deve ter a ela associada uma componente descritiva que comunica ao leitor, ouvinte ou espetador do que é que trata o filme em questão. É a base que permite ao crítico avançar para a apreciação da obra, que deve ter por base critérios técnicos, temáticos e emotivos. Além do mais, é também necessária uma perspetiva histórica do cinema.

Conhecer as figuras que dedicaram horas, dias e anos a trabalhar no produto final e, idealmente, de que forma é que este produto interage com outros filmes, movimentos artísticos ou até outras formas de arte. É daqui que nasce a necessidade de estar atualizado de um vasto espectro de cinematografias. Em princípio, quanto mais e melhor informado está o profissional, mais edificante e interessante poderá ser a crítica.

Por fim, como vivemos na era da informação e a nossa atenção é cada vez mais limitada, cabe ao crítico o papel de divulgador cultural. Salientando os filmes que acredita serem merecedores da atenção do seu público e desaconselhando aqueles nos quais não reconhece tantos méritos. Do lado dos próprios filmes, bem sabemos que “Thor: Amor e Trovão” (2022) não precisa do impulso dos artigos de opinião. Porém, uma meditação bélica como “Onoda – 10 Mil Noites na Selva” (2021), que não tem um orçamento de marketing e publicidade com muitos zeros à direita, beneficia certamente de um que o aplauda.

Acima de tudo, uma crítica de cinema é um ponto de partida para uma discussão mais edificante e interessante da sétima arte. A contínua promoção de uma cinefilia saudável que nos ajuda a crescer e formar como seres humanos. É parte da equação que alimenta o espírito.

Bernardo Freire, Luís Ferreira, Tiago Ferreira e a Vereadora da Cultura do Município de Oliveira do Bairro, Dra. Lília Ana Águas (esquerda para a direita) / Município de Oliveira do Bairro

E o que achas, já agora, que falta, muitas vezes, ao crítico na sua crítica para espalhar a sua mensagem e para abrir horizontes cinematográficos?

R: Curiosamente, a resposta está algures na tua pergunta.

Aquilo que identifico como o calcanhar de Aquiles de muitos críticos de cinema contemporâneos é uma imensa miopia histórica. Em parte, é compreensível. Todos sofremos um pouco de falta de conhecimento cinematográfico. Há mundos para descobrir numa arte que tem pouco mais de 125 anos de idade.  A propósito deste assunto, costumo citar a badalada frase que é atribuída a Sócrates, o filósofo grego: “só sei que nada sei“.

Porém, o que mais me incomoda é a apatia e desinteresse em abrir horizontes cinematográficos e conhecer os grandes mestres do passado. Sinto com frequência um afunilar da atenção nas produções comerciais dos últimos anos e isso é catastrófico tanto para quem se debruça sobre o pensamento crítico e para quem o absorve, como para a memória do cinema.

Com isto, faço o apelo para que nenhum crítico se deixe condicionar em excesso pela espuma dos dias. É muito bom para as métricas das redes sociais e popularidades afins, mas está, em última instância, a prejudicar a pluralidade de uma arte que se quer cada vez mais diversa e inclusiva.

Se tivesses que definir o cinema numa palavra, qual seria?

R: Empatia.

De que forma o teu trabalho em marketing e enquanto crítico se podem relacionar?

R: Apesar de gostar de separar as águas, o certo é que existe alguma simbiose nestes trabalhos. Ambos precisam de pensamento crítico, ágil e adaptável. É fundamental ter a componente da criatividade bem oleada. Para não falar no facto de conseguir perceber um pouco melhor as decisões dos estúdios, as lógicas financeiras e o quão arriscado ou seguro é um dado produto fílmico. A minha base de gestão e marketing permite-me estas valências.

Mas o certo é que não existem dois Bernardos: um corporativo e outro mais artístico. São paixões que procuro articular com gosto e dedicação. Ainda que me sinta permanentemente dividido entre a lógica de que seria melhor profissional se estivesse dedicado exclusivamente a uma área e a premissa de que ao entrelaçar as atividades consigo ser mais capaz naquilo que faço. Sendo perfeitamente honesto, ainda estou à procura desta resposta.

Que outros futuros projetos tens em mente?

R: Enquanto continuo empenhado na crítica de cinema, nos afazeres de marketer, na promoção do meu livro e na conclusão do mestrado em marketing, vou começar a explorar um novo tema para dissecar no próximo livro.

À data, trata-se de uma análise de vários tipos de violência que têm arrebatado o grande ecrã. Quero perceber um pouco a conversa que os filmes estabelecem entre si e investigar as nuances deste tema. Estou certo de que vai ser uma jornada dura, mas bastante interessante. De certo modo, pretendo fugir um pouco do registo parametrizado da crítica de cinema e entrar num discurso mais fluído. Estou certo de que as palavras irão surgir com esforço aplicado ao longo do tempo.

Bernardo Freire / Município de Oliveira do Bairro

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Tiago Ferreira

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