De um certo ponto de vista, comprar um bilhete de cinema é comprar uma viagem pelos montes e vales das imagens em movimento. E como bem sabemos, há percursos mais atribulados do que outros. “Bullet Train”, realizado pelo norte-americano David Leitch, obriga-nos a sentar num expresso hiperativo, veloz e furioso. Repleto de assassinos e malfeitores que se entrelaçam numa rede de contactos violentos. Aquele género de ação cómica desmiolada que quando executado com pompa e circunstância consegue oferecer entretenimento de qualidade, enfim, uma jornada de entusiasmos. Em contraste, o filme encabeçado por Brad Pitt deixou-me simplesmente exausto com o itinerário.
Pitt é um assassino com o nome de código “Joaninha” que embarca numa missão aparentemente simples: entrar no comboio de alta velocidade que vai de Tokyo até Kyoto, no Japão, atravessar 16 carruagens (10 económicas e 6 de primeira classe), encontrar uma pasta em particular e sair na paragem seguinte. A descrição da missão é essencial, o que agrada bastante à Joaninha, pois está a entrar numa fase zen da sua vida, repetindo aforismos de paz e harmonia que contrastam com a definição do seu ofício.

O seu estado de espírito equilibrado é posto à prova quando começa a interagir com outros passageiros que têm as suas próprias motivações. Como os criminosos que se dão pelos nomes de código “Limão” (Brian Tyree Henry) e “Tangerina” (Aaron Johnson), o filho de um chefe do submundo que acabaram de resgatar, e outra assassina contratada de nome Hornet (Zazie Beetz). A bordo encontram-se ainda Kimura (Andrew Koji), que está a tentar encontrar a pessoa que empurrou o seu filho mais novo de um terraço, e Prince (Joey King), uma jovem dissimulada que manipula as pessoas de forma a atingir os seus fins.
Com base no aclamado romance homólogo de Kōtarō Isaka, o argumento do norte-americano Zak Olkewicz está empanturrado de piadas repetitivas e subenredos caóticos. Se ouvia mais uma graçola sobre Thomas the train, a personagem da série infantil oriunda da saga de livros “The Railway Series“, colapsava em plena sala. Já mereceu um sorriso nervoso no primeiro impacto, estão a imaginar como encarei o vigésimo. Exatamente da mesma forma como via reincidir as analepses que utiliza para montar o seu puzzle narrativo. Ao fim da terceira, estava a sentir-me solidário para com o corpo de atores, que genuinamente tentam prevenir que o filme descarrilhe, como um pai que segura a mão de um filho para não cair de uma falésia.

Deslocado de qualquer propriedade ou franquia conhecida, a sua originalidade é recalcada com um estilo de cinema pastiche que procura emular a ação do cinema de Guy Ritchie com os diálogos característicos dos filmes de Quentin Tarantino. O facto de ser derivativo não é, em si, um defeito. Porém, neste caso estamos a lidar com uma imitação pálida. Um caso de estilo sem substância, onde o estilo é completamente forçado e desengonçado. A isto acresce o facto de insistir em não terminar: são mais de 2 horas justificadas com demasiada exposição e pouquíssima digestão.
Um exemplo em que David Leitch está muito mais coeso, onde há simbiose entre as matérias de ação e narração, é “Atomic Blonde – Agente Especial” (2017). Agitado, intenso e cru na sua coreografia de ação, o cerne das habilidades que o levaram da gestão de movimentos corporais e organização de lutas até à realização de cinema de género. Em “Bullet Train: Comboio Bala” – título português -, existem vislumbres dessa invenção no esquema de combate que estão à disposição. Nada que provoque a tão desejada euforia, em estreita oposição à dormência que progressivamente fui sentindo. Caiu num fosso de exercício de vaidade no qual não havia uma única estação em que não quisesse sair da viagem.
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