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“Another Round” (2020) – “Druk“, título original – conta a história de quatro professores do Ensino Médio, na Dinamarca, que tentam realizar um tratamento estatístico adjacente à ideia de que os humanos nascem com uma mínima deficiência de álcool no sangue. Para isso, começam a registar as taxas de álcool ingeridas por cada um deles e os benefícios que isso alegadamente traz às suas vidas.

Este filme consegue ter uma amplitude muito acertada de géneros, ainda que a transposição e o complemento entre os mesmos seja feito de forma muito subtil, o que imprime uma essência muito realista à narrativa. O álcool aparece como porventura o grande protagonista enquanto motivo narrativo, mas a performance de Mads Mikkelsen torna curtos quaisquer elogios ou congratulações, uma vez que a sua envolvência e carga sentimental é tão forte que deixa o espectador perdido na imensidão e complexidade do seu ser.

Desta forma, o motivo narrativo apresentado contém, por si só, uma ironia bastante interessante e serve como porta para uma história que tinha tudo para ser uma profunda comédia, mas consegue ser muito mais do que isso. Numa primeira fase, Martin (Mads Mikkelsen) — a personagem central desta história — surge como uma pessoa apática e sem grandes motivos para sorrir na sua vida.

“Another Round”

Com um casamento desgastado e sem grande brilho, a sua escassa estabilidade familiar aliada à sua atitude extremamente passiva a nível social e profissional, dão um panorama intrínseco muito cinzento à personagem, um pouco em contraste com os seus três amigos. De forma a conseguir desinibir-se, Martin começa a ingerir álcool ao longo do dia e os primeiros resultados são bastante animadores: fica uma pessoa muito mais confiante de si mesma, muito mais tranquila e muito mais dinâmica, algo que cativa os seus amigos a prosseguir com o estudo em causa.

O filme consegue-nos dar uma visão muito interessante do descontrolo que o álcool mais tarde ou mais cedo tem no ser humano se este não for controlado, e portanto é capaz de nos dar um espectro deveras fidedigno desta problemática, mostrando-nos os prós e os contras mais realistas. E a sua narrativa cresce bastante com esse aspeto, além da profundidade intrapessoal de Martin, que com os seus maneirismos, com a sua maneira de ser muito particular e, claro, através de uma performance muito interessante de Mads Mikkelsen, traz uma luz bastante sui generis a esta produção, escrita e realizada por Thomas Vinterberg.

A sua fotografia assenta num plano muito poético e humano, transposto sobretudo através de planos que nos dão, efetivamente, a ideia de um subtexto altamente sentimental e que, a par com a sua banda sonora um pouco nostálgica, mas também ela alegre (dependendo do tom narrativo), consegue transformar este filme em algo bastante completo em dinâmica de géneros.

Martin (Mads Mikkelsen)

O lado mais humano é aquele que mais sobressai nesta história, uma vez que consegue fazer uma transposição entre os três atos bastante dinâmica e acertada, onde num primeiro momento surge a problemática, num segundo a descoberta e as consequências dessa descoberta (interior) e num terceiro a catarse, a superação. O final tem uma envolvência cinematográfica de alto nível e fecha a cortina de forma memorável.

Relativamente às críticas mais a fundo, penso que o filme precisava de uma história um pouco mais enigmática em tom e mais atrativa na forma, no sentido de abrilhantar o seu motivo narrativo, que se torna, a dado momento, demasiado simples.

Ainda assim, estamos perante uma obra com bastantes méritos e que sabe o que quer durante praticamente toda a sua jornada, ainda que a dado momento se sinta um pouco perdida, um pouco como a personagem de Martin. Felizmente, no final, a catarse do inconsciente deu lugar a uma comédia com bastante personalidade e com um rumo repleto de audácia.

Tiago Ferreira

Rating: 3 out of 4.

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