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Porque A Arte Somos Nós

Corria o ano de 1982 e eu era um miúdo em vias de completar oito anos. De sorte que entendia pouco das coisas, mas lembro-me das celebrações na casa da minha tia, Zélia, pela Seleção de Futebol do Brasil na Copa do Mundo da Espanha. Eu não entendia nada, apenas o facto que a Seleção vencia sempre e que tudo aquilo significava festa. Até que chegou o fatídico encontro com a Seleção Italiana e de tudo que me lembro era que o clima estava bastante tenso na casa da minha tia. Uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em cima da TV P&B de 14 polegadas abençoava os jogadores da Seleção da qual ela era a Padroeira.

Paulo Roberto Falcão, com um chuto potente, empatou a partida em 2 x 2 e a vibração foi impressionante. O fim todo mundo conhece: a Itália venceria o Brasil por 3 x 2 com três golos do franzino atacante Paolo Rossi. Lembro-me que saí no terreiro, desconsolado e sem entender direito como aquele jogo do Brasil não havia terminado com um final feliz, afinal, na minha cabeça de criança, futebol era uma coisa meio roteirizada, como o cinema. Um senhor vizinho, Sr. Abaeté, alertou-me que não tinha dado, e que a Seleção Brasileira estava fora da Copa.

Paolo Rossi jogou em equipas como o Vicenza, AC Milan, mas destaca-se a sua ligação à Juventus

Aquele jogo para mim foi impactante! Cresci ouvindo a história dos bastidores daquele encontro e, por incrível que possa parecer, quando revia os golos na minha adolescência, nunca ficava com raiva do carrasco. É que aquela equipa era muito boa, jogava o futebol arte sob a batuta de Telê Santana e, numa entrevista, muito tempo depois, quando perguntado pelos jornalistas brasileiros acerca do futebol do Barcelona, o grande Pep Guardiola afirmou categoricamente que cresceu assistindo àquela Seleção Brasileira de 82 a jogar, e que tinha aquilo em conta na hora de montar as suas equipas e pensar o futebol.

Recentemente, e neste ano mais amiúde, devido à ausência de futebol no planeta no primeiro semestre, muitas emissoras voltaram a passar partidas épicas e todos os jogos do Brasil naquele Mundial foram reexibidos. Não perdi a oportunidade de ver tudo. Cresci a saber escalar de cor aquela seleção: Waldir Perez, Leandro, Óscar, Luisinho e Júnior; Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Éder Aleixo e Serginho. Os alas apoiando o tempo todo, constantes trocas de posições visando o jogo ofensivo, triangulações, tabelinhas, golos de cobertura, passes de calcanhar, tudo plasticamente muito bonito.

Mas eis que surge o desacreditado Paolo Rossi, que não havia marcado nenhum golo antes daquele jogo contra o Brasil e faz logo três. Para os amantes de futebol, sugiro assistirem àquele jogo. Mesmo sabendo o resultado, a minha avaliação adulta faz-me quase fazer um autoengano: desligar a TV após o golo do empate 2 x 2 do Falcão.

Paolo Rossi, esse italiano que nos deixou aos 64 anos, fez uma criança chorar. Mas ensinou-me bastante que a vida é um misto de vitórias e derrotas, que adversários nunca são inimigos e quando assisti, há uns tempos atrás, a uma entrevista de Rossi para uma emissora de desporto brasileira, a SPORTV, foi com mais admiração que o homem Marcelo observou o carrasco. Dizem que ele, ao pegar um táxi aqui no Brasil, quase se desculpou ao motorista, dizendo que a obrigação dele naquele dia era fazer os golos. Um sujeito simpático, que se tornou grande amigo de vários jogadores brasileiros, como do Zico, o craque do Flamengo.

Insisto para que assistam àquela Seleção Brasileira de 1982. Hoje o homem escritor ainda questiona se aquilo não era cinema de facto, se não havia por trás um roteiro pré-elaborado com atuações tão impecáveis que mereciam um Óscar. Um não. Vários.

Paolo Rossi, obrigado por me ensinar que nem sempre vencem os melhores!

Marcelo Pereira Rodrigues

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