“Pieces of a Woman” (2020) conta a história de Martha (Vanessa Kirby) que entra em trabalho de parto e dá à luz um bebé que acaba por falecer com poucos segundos de vida. Martha e Sean (Shia LaBeouf) formam um casal que escolheu ter um parto em casa. Ciente do risco, o casal queria que o bebé pudesse “escolher” quando nascer. Tinham tudo preparado para o dia do nascimento, inclusive uma parteira de confiança, mas no momento fulcral um imprevisto exigiu uma parteira substituta e desconhecida deles, Eva (Molly Parker).
Este filme é realizado por Kornél Mundruczó e escrito por Kate Wéber. De facto, tem na sua vertente mais técnica uma envolvência verdadeiramente incrível em termos de tom e de profundidade dramática. O seu argumento é, na mesma medida, um regalo muito assertivo de humanidade. Esta perda espoleta por parte da mãe de Martha, Elizabeth (Ellen Burstyn), um sentimento de profunda vingança para com a parteira – ao ponto de a pôr em tribunal na tentativa de provar negligência –, a par do vazio deixado em Sean, que compensa essa força que o corrompe com o regresso aos velhos maus hábitos e vícios (álcool e drogas).

A história de “Pieces of a Woman” é verdadeiramente impressionante, e começa a ditar o seu tom com uma sequência arrebatadora de vinte e poucos minutos bastante forte fisicamente. A dor de Martha é espelhada para o ecrã ao estilo de uma apatia profunda e a sua interpretação imprime um carácter muito próprio e elucidativo, nesta narrativa que prima, objetivamente, pelo subtexto. Para isso muito contribui a sua banda-sonora e a sua fotografia, a par e passo com uma envolvência arrebatadora, aprofundada por uma dor que é difícil de imaginar, mas que é verdadeiramente bem espelhada para o ecrã.
A dado momento, Martha sente a necessidade de germinar sementes de maçã, fruto do amor, harmonia, felicidade e vida, e que neste filme tem um papel principal a nível simbólico. Esta sua necessidade, no fundo, obedece a uma catarse de lidar com a morte e com a perda, precisamente, com o nascimento e crescimento de algo novo.
Além disso, a forma como o filme consegue passar para o ecrã a vivacidade de Martha, toda a sua luta interior, e ainda imortalizar esse jogo emocional com contextos e exposições dramaticamente geniais, não só permite que se crie um forte sentimento no espectador de poder revisitar a obra, como adensa uma experiência sensorial verdadeiramente ousada como um todo.

A alma desta produção obedece a critérios extremamente sólidos, coesos e envolventes, e onde o trabalho de realização tem uma importância acrescida, sobretudo pela sua essência mais contemplativa, de aprofundamento do carácter das personagens e de todo o jogo de interesses e necessidades que se sobrepõem no meio de toda esta tragédia. Por outro lado, a vertente mais negra da narrativa permite que nos consigamos relacionar, precisamente, com as personagens, em particular com Martha, que é a alma deste filme, muito por culpa da interpretação verdadeiramente deslumbrante de Vanessa Kirby.
Quanto ao título, “Pieces of a Woman”, no fundo, a personagem de Martha vai sendo dissecada na cena inicial do parto, em sequência, o que dá uma profundidade à sua alma em comunhão com o corpo, além de estar relacionada com a forma por vezes dispersa como esta mulher luta contra este “fantasma” e se consegue reinventar, juntando aos poucos as suas peças e saltando do caos para a (possível) ordem.
Ordem essa que consegue alcançar quando aceita a sua perda e não culpa ninguém por isso, almejando prosseguir com a sua vida e reconstruir o seu futuro. Juntar essa construção pessoal a uma narrativa (sem falhas) que encontra no seu drama mais intenso e inesquecível uma história de perda e superação.
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