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Porque A Arte Somos Nós

“A Swedish Love Story” podia resumir-se a um drama adolescente que nos faz recuar ao passado e desejar que esses anos nunca tivessem acabado, que a vida realmente era bem mais simples, mas estaria a ser injusto à mestria do realizador sueco Roy Andersson. Ao contrário de certas recomendações acerca deste realizador, comecei esta minha aventura pelo seu trabalho precisamente na sua primeira longa-metragem – conta com poucos filmes, mas em compensação criou muitos anúncios televisivos. Basicamente, segundo “as regras”, devia começar a minha jornada por outra obra, mas não me arrependo minimamente em ter quebrado esse conselho.

A história tem como premissa central a paixão e o amor entre dois jovens, Annika (Ann-Sofie Kylin) e Pär (Rolf Sohlman), uma pré-adolescente de 13 anos citadina e um jovem de 15 anos que vive e trabalha numa zona mais rural, respetivamente. Estes trocam olhares pela primeira vez num ambiente bastante controlado e formal, no meio dos adultos – um mundo contrastante e ainda distante do deles -, mas cedo o filme nos transporta para a sua zona de conforto. Um mundo despreocupado, de amigos, motas, pontos de encontro e cigarros. Os casacos de cabedal de Pär e Annika revelam que é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa.

Annika (Ann-Sofie Kylin) e Pär (Rolf Sohlman)

Desde logo são evocados sentimentos como a timidez, a vergonha, a coragem e o desejo. Apesar de Pär e Annika serem os protagonistas em quase todas as cenas, os seus grupos são uma peça importante na sua constante aproximação. Um por todos e todos por um, quem não se lembra desta solidariedade e companheirismo na tenra idade? Nesse aspeto, Andersson preocupa-se em interligar esta juventude rebelde com a cultura das ruas, onde grande parte da narrativa se passa. Esta torna-se ainda mais interessante tendo em conta a realidade presente, onde as tecnologias roubam em grande parte a mística dos encontros pessoais e a excitação do efeito carpe diem.

Tendo em conta que estamos em 1970, a beleza do antigamente é outro fator que não passa despercebido em “A Swedish Love Story”. Nesse campo o filme acaba por envelhecer muito bem, pois com um bom balanceamento entre planos abertos e fechados, juntamente com uma edição bastante simples, este acaba por revelar ser uma espécie de documentário da vida e paixão dos nossos protagonistas. Penso que nessa vertente, Roy Andersson acaba por beber um pouco do neo-realismo italiano, com uma abordagem bastante pura acerca da vida como ela realmente é.

De forma a equilibrar um sentimento em crescendo, o cineasta sueco procurou contextualizar também os agentes que rodeiam esta tenra história de amor. Falo pois dos adultos, mais precisamente das famílias de Pär e Annika. Aqui, uma crítica social aos mesmos, quer pela sua preocupação em julgar o próximo, quer pelo seu modo de vida. Num polo diferente do dos jovens, Andersson faz questão de deixar bem claro que a idade adulta traz consigo outras preocupações que não o amor, que a importância dos sentimentos, e até da própria felicidade, se transformam numa prioridade secundária em comunidade. Um presságio para todos os que ainda são jovens? Não me parece.

“A Swedish Story” (1970)

Esta é uma obra de esperança, pois o seu fatalismo só vem dar mais ênfase ao seu motivo narrativo. Ao longo da narrativa somos presenteados com momentos únicos, tais como a vergonha entre Pär e Annika em comunicar num bar e toda a logística que isso tudo envolveu, ou o momento em que Pär regressa do fundo da rua na sua mota em total desespero pelo reconciliar com Annika após uma situação onde este saiu lesado no que toca ao orgulho masculino.

É um consolo para o espetador ver como a intimidade entre este jovem casal cresce, crescendo nós com eles. É também impossível ficar indiferente à simplicidade de certos toques, sorrisos e olhares entre os personagens. As falas são guardadas para os adultos, o resto parece tudo interligar-se através de energias. Tudo isto também graças às excelentes atuações de Ann-Sofie Kylin e Rolf Sohlman, que provaram estar à altura do desafio revelando uma entrega total.

O elemento de maior oposição que encontramos ao casal é o pai de Annika, John Hellberg (Bertil Norström), um vendedor de arcas congeladoras frustrado que exige para a sua filha riqueza e bons costumes. Mais para o final da história, este acaba por contrastar negativamente com a família de Pär, revelando o seu egoísmo para com a felicidade da filha. John representa a metáfora da vida adulta, um contraste à simplicidade da juventude: neste caso, muito mais é o que os separa, do que aquilo que os une. O culminar desta triste realidade dá-se quando este desaparece perto de um lago, com toda a gente a juntar esforços para salvar a vida do pai infeliz.

“A Swedish Love Story” (1970)

A forma como esta última cena dá termo ao filme é sublime. A insignificância do seu ato põe a nu um vazio emocional enorme, que paralelamente Andersson preenche com a embriaguez e falta de visão de Pär e Annika, que só têm olhos um para o outro. As emoções estão à flor da pele, e só isso importa. Dessa forma, “A Swedish Love Story” torna-se algo maior do que um romance ao estilo de “Romeo e Julieta” – indubitavelmente menos trágico que a obra de Shakespeare. Denso e desafiador, este é um filme para esquecer o agora e lembrar alguém que numa vida passada fomos.

Sigmund Freud terminaria este texto melhor do que eu, mas tenho de evocar o seu nome para destacar a importância desta viagem e evolução que o ser humano sofre ao longo da vida, moldando constantemente a sua forma de sentir e interpretar o mundo em seu redor. A civilização provoca isso em nós, cria-nos e destrói-nos, mas ao fim ao cabo, o que é que realmente importa? Esta é a pergunta que Roy Andersson deixa no ar através de uma história igual a tantas outras. Para além de nunca envelhecer, só não vê quem não quer.

Rating: 3.5 out of 4.

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One thought on ““A Swedish Love Story”: O primeiro amor é o mais puro

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