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Porque A Arte Somos Nós

Um celeiro de grandes películas, a Argentina tem se mostrado frutífera no que toca à Sétima Arte. Em “El Patrón, Radiografía de un Crímen”, baseado numa história real, do realizador Sebastian Schindel, com os atores Joaquín Furriel, Luis Ziembrowski, Guillermo Pfening e outros, é um drama social policial de 1h39min, lançado em 2014 e disponível na Netflix.

Na história, um analfabeto consegue um trabalho num açougue (casa de carnes) e lá é introduzido aos malfeitos de um patrão inescrupuloso que compra carne estragada e que ensina aos seus funcionários a reaproveitarem a mercadoria. Assim, a água sanitária e outros produtos químicos fazem a carne parecer palatável, em cenas que fariam uma cabra vomitar. Longe de ser apenas uma ficção, o certo é que em algumas casas de carne isso acontece. Se não tem escrúpulos no que toca a vender carnes em mau estado, o que dirá no trato com os subalternos?

O açougueiro analfabeto Hermógenes, apelidado de Santiago, é obrigado a realizar a tarefa ignóbil, e ainda é humilhado pelo irascível patrão. Vindo de uma terra no interior da Argentina para Buenos Aires, desde cedo fica comprovado a sua ignorância para diferenciar o certo do errado, e nas condições insalubres em que vivia, num pequeno quarto nos fundos da casa de carne, o certo é que fica atestado o trabalho escravo, pois ele era chantageado e informado de que na verdade ele é quem devia ao patrão, que lhe prometera um apartamento pago a prestações, de forma a ter melhores condições de vida com a sua esposa e futura filha.

Joaquín Furriel (Hermogenes Saldivar)

O que pode parecer estranho a muitos infelizmente acontece em muitos sítios, inclusive em países de Primeiro Mundo. Muitos imigrantes são “contratados” para fazerem serviços pesados, ganhando migalhas daquilo que seria pago a um trabalhador melhor informado dos seus direitos, tudo em relações de trabalho não oficiais, parecendo que na verdade o patrão é um benfeitor para o infeliz. Pensem no número de africanos a limpar latrinas e a sobreviver de comida e um quarto para dormir! Lógico que isso não aparecerá nos postais das cidades, ficará confinado ao submundo. “Inocentes de todo o mundo, sabeis!” (parafraseando Karl Marx)

O filme faz um corte, uma história dentro de outra, e ficamos a par de um advogado que substitui um relapso colega de profissão defensor público que não cumprira a defesa de um atormentado homem que matara o seu patrão. Promotoria e defesa discutirão o caso, o juiz parece estar aborrecido e quer dar sentença final ao episódio, o certo é que o réu é confesso e procuram-se atenuantes.

Pois bem, o empregado é Santiago e o patrão é o crápula que lhe explorara. O advogado tenta apelar para o crime sob forte emoção, mas o júri desqualifica. Ele tentará um recurso, mas o ponto chave de “El patrón” é quando fazem a reconstituição do crime, e o juiz ao ver o quarto onde o réu morava, fica a refletir bastante.

Joaquín Furriel (Hermogenes Saldivar) e Guillermo Pfening (Marcelo Di Giovanni)

Na reconstituição, ficamos a saber que não houve emoção violenta por parte do agressor, os 15 segundos do ato em si são frios e revelam o mau caráter deste analfabeto em questão. Joaquín Furriel empresta toda a sua carga dramática ao interpretar Santiago, e o certo é que chegamos a sentir uma certa afeição. Estranhamente, ao assistir à película com a minha namorada, ouvi dela o famoso “Bem feito” quando o patrão foi estripado como um porco. E ela não é de desejar mal a uma mosca. Na vida real e na obra existe um desfecho diferente, mas o certo é que esta nos traz boas lições.

A primeira delas é que assistindo aos bastidores do que pode ser feito num açougue, quase chego a invejar os vegetarianos. Outra lição tem a haver com empatia e antipatia. Nunca devemos usar as pessoas como meio, e sim como finalidades em si mesmas. Se a obtenção de um lucro meu se dá em detrimento do prejuízo de um outro ser humano, e mesmo que estejamos ao amparo da lei, investiguemos se as nossas ações são moralmente corretas, ainda que com o rótulo de legais.

Que todos nós, articulistas e leitores deste site, e no meu preconceito positivo de se tratarem de pessoas cultas e esclarecidas, passemos a investigar as nossas relações interpessoais com aqueles que nos prestam serviços, como as empregadas domésticas, por exemplo.

Um filme perturbador, real e intrigante que nos marca e nos deixa com aquele sentimento de humanidade aflorado.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 4 out of 4.

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