“Soul – Uma Aventura com Alma” (2020) conta a história de Joe (Jamie Foxx), um professor de música altamente apaixonado por esta arte e que segue o sonho incessante de se tornar um pianista profissional e viver desse ofício. Naquela que é uma das maiores oportunidades da sua vida para imortalizar esse seu anseio, acaba por ter um acidente e “entrar” no limbo entre a vida e a morte. Com alguma arte e engenho, consegue intrometer-se no complexo pré-vida, na busca por uma nova oportunidade na sua vida terrena.
O filme toca em aspetos incríveis relativamente à nossa vida e às questões que tanto nos anseiam, desde o que devemos fazer com a nossa existência, qual será o nosso propósito, de que forma é que não podemos estar a desperdiçar o nosso talento e a nossa missão por estarmos confusos relativamente ao nosso destino… Tudo isto abrilhanta um filme que em tom é uma produção altamente acertada, dinâmica, atrativa e contundente na sua mensagem.

Por outro lado, esta produção da Pixar, realizada por Pete Docter e Kemp Powers (ambos também argumentistas) e, ainda, escrita por Mike Jones, consegue ter na amizade que Joe acaba por construir, nessa espaço antes da vida com a personagem de “22” (Tina Fey), uma figura que precisa de encontrar o seu propósito/ofício para poder ingressar na terra, na vida terrena. Para isso terá a ajuda de Joe, o seu mentor, para conseguir lá chegar, ainda que este “22” seja já alguém bastante problemático e que se acomodou como ‘falhanço’.
Quanto ao seu motivo narrativo, penso que é bastante sólido e elucidativo da personalidade de Joe, alguém que teve sempre na sua mãe uma das suas maiores críticas quanto ao alimentar do seu sonho propriamente dito, e que sempre defendeu como prioridade junto dele que se conseguisse estabilizar em algo mais garantido do que viver eternamente deste sonho.
Além disso, a jornada que Joe tem neste “território obscuro”, a forma como ele luta com todas as armas que tem para sair daquela (ir)realidade e regressar àquela em que poderá ter a sua derradeira oportunidade como pianista, mostra que Joe é um reflexo por inteiro das suas expectativas e das suas paixões, e isso abrilhanta o filme de uma maneira altamente sui generis.

Por outro lado, “22” começa aos poucos a perceber que a ‘vida real’, apesar de todos os obstáculos e inevitavelmente acarreta, traz também algo muito mais profundo e gratificante do que o espaço em que vive há muito tempo, ao ponto de inicialmente não querer sequer explorar a ideia de sair dali. E todo este jogo entre descoberta e ao mesmo tempo a luta intensa pelos nossos sonhos faz de “Soul” uma alma de géneros, de humanidade, de brilhantismo e de segurança narrativa.
O único pormenor que eu penso que se levanta com este argumento (belíssimo) tem que ver, a dado momento, com a sua previsibilidade, com um acompanhar um pouco disruptivo com a sua criatividade, algo que não fere, de todo, a sua essência, altamente diferenciadora e que merece infinitos enaltecimentos.
Entre outros óbvios aspetos, este filme consegue elevar-nos enquanto pessoas, passando a mensagem altamente dignificante de que, na verdade, o objetivo máximo da nossa vida, da nossa existência, talvez não passe necessariamente por encontrar “o propósito”, a nossa função na vida terrena, mas sim em aproveitar cada momento, cada simplicidade dos nossos dias na formação da pessoa que somos.

Para além disso, tem na sua vertente mais contemplativa e humana o seu statement mais forte, aliando a isso a questão de que muitas vezes aquilo que temos delineado para nós inconscientemente, na sua concretização, pode falhar amplamente na expectativa e anseio que traçámos, o que me faz recordar um pouco uma declaração bastante feliz de José Saramago a dado momento da sua vida, em que afirma: “Aquilo que vier a ser meu às mãos me há-de vir ter. Provavelmente tenho tudo porque nunca quis nada“. Esta frase, de certa forma, imortaliza a essência cinematográfica de “Soul”.
Por fim, resta deixar amplos elogios a esta produção que tem praticamente tudo do que uma boa história tem que ter para nos tocar, para nos manter alerta, vivos, e efetivamente cientes de que somos nós os maiores protagonistas do nosso próprio destino.
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