Quem acompanha meus textos aqui no Barrete já deve ter percebido o quanto gosto dos escritos de Albert Camus (1913-1960), o franco argelino que escreveu ensaios, romances, peças teatrais, investigações filosóficas, reportagens jornalísticas, entre outras coisas, e que foi laureado com o Prémio Nobel de Literatura. Livros bons não faltam: “O Estrangeiro“; “O Mito de Sísifo“; “A Peste“; “A Queda“; “Núpcias, O Verão“; “O Homem Revoltado“; “O Primeiro Homem” (romance inacabado) e muitos outros.
Mesmo conhecendo muito da sua obra, não conheço muito da sua vida, de modo que me culpo até hoje por ter deixado passar a oportunidade de comprar uma biografia sobre ele escrita por Olivier Todd. Um livro maçudo de 882 páginas que vi num sebo. Fiquei de comprar depois e, quando fui procurar, o mesmo estava esgotado e fora de catálogo. Aguardarei uma outra oportunidade.

Contudo fiquei surpreso ao saber do filme, baseado nesta biografia, e que foi lançado em 2010, realizado por Laurent Jaoui, e com Stéphane Freiss, Anouk Grinberg e Agathe Dronne no elenco. Um filme que apresenta a infância pobre na Argélia, quando um professor conseguiu livrá-lo da ignorância convencendo a sua mãe analfabeta e a avó ranheta a deixarem o miúdo Albert a prosseguir os estudos.
O filme foca-se nos últimos anos de vida do consagrado autor, melancólico a despeito do enorme sucesso advindo do seu trabalho. Guardando a sete chaves um manuscrito que viria a ser o inacabado “O Primeiro Homem”, quando foi vítima de um acidente automobilístico que lhe ceifou a vida. Estranhamente, Camus estava a fazer um acerto de contas com o seu passado, escrevendo as suas reminiscências de infância.
A sua mulher, Francine, riu-se quando ele, num jantar em casa com os seus amigos editores da Gallimard, afirmou estar a escrever uma história que tinha como tema o amor. Ela decreta que o esposo não sabia escrever sobre este sentimento, por não o sentir. Por falar nela, neurastênica e deprimida, tendo tentado o suicídio algumas vezes, foi uma relação bastante complicada para ambos essa convivência, agravado pelos vários casos amorosos de Camus e pelo seu enfado também ao lidar com a vida.

O filme traz uma passagem que representa a altura em que Camus e Sartre se desligaram um do outro, por divergências políticas e de opiniões. Camus sentiu o golpe ao ter uma receção fria na revista Les Temps Modernes, editada pelo autor de “A Náusea“. A glória ao receber o Nobel e as controvérsias dos seus posicionamentos políticos referentes à Guerra de Libertação da Argélia, então colónia francesa.
Como se não bastasse, Camus representa o pai austero que não gostava que os seus filhos ficassem mimados recebendo presentes caros, ainda escondendo uma tuberculose que fatalmente iria findar a sua trajetória, não fosse o acaso e o destino que o fez viajar de automóvel em detrimento ao comboio. Ironia do destino, o escritor que abordou o absurdo como poucos teria um final de vida análogo.
Introspetivo, amargurado e pouco festivo, o Camus representado na película, com a gola do seu sobretudo levantada e o cigarro no canto da boca convencem. Surpreendi-me com várias revelações que me instigaram ainda mais a ler a biografia, tão logo a consiga. Indico o filme como introdução ou complemento às obras de arte que são os livros deste escritor que sofreu as agruras da miséria para demarcar o seu nome no panteão dos grandes da literatura e da filosofia. Bendito o professor que salvou uma criança da barbárie e do abandono.
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