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Porque A Arte Somos Nós

Nesta conferência, farei um posfácio do meu romance “A Queda“, publicado em outubro de 2017 e que foi muito bem rececionado: boas críticas, resenhas, distribuição na medida do possível num país da dimensão do Brasil (Belo Horizonte, São Paulo, Campo Grande – MS, Brasília, São Luís – MA e outras), uma publicação em Portugal (aqui no Barrete) e boas vendas.

Refletirei sobre o cerne do livro, e responderei a algumas questões: muitos questionaram se Gregório Mendes era o meu alter ego. Professor de Filosofia no Colégio Marista, escritor, dono de uma coluna de jornal. E crítico de costumes. Penso que é irrelevante esses detalhes. Melhor afirmasse ser eu o alter ego de todos os meus personagens contidos nesta obra.

Quando do lançamento, um leitor questionou-me se com o livro eu intentava uma redenção ou mesmo uma volta por cima pessoal. Afirmei-lhe o contrário: romance existencialista, o livro estava denunciando uma vida em escombros, tal qual Albert Camus sentenciou no seu discurso ao ganhar o Nobel, com personagens esquisitos e doentios, porém verificáveis nos dias atuais, por mais normais que aparentem ser, estão aí as redes sociais que não me deixam mentir. E nunca estive por baixo, verificável no meu não pagamento a psicólogos.

Albert Camus

Antes mesmo de falar em personagens, falarei de cenários: preocupadamente “A Queda” tornou-se obsoleto: livrarias como a FNAC e uma livraria independente que é o local da primeira cena do romance, fecharam. Do mesmo modo que fecharam os antigos cinemas de rua para abrigarem igrejas evangélicas. Sobre estas, um esclarecimento: a personagem que se revela uma pastora conduzindo as suas ovelhas atesta o que aí está.

Nisso o livro foi certeiro: por intermédio de discursos intimidadores, revelando-se os interesses escusos entre política e religião, a lobotomia está em curso: tornar o Brasil uma teocracia já comprovada em eleições municipais com os seus famigerados pastores (existem raras exceções). “Deus. Pátria. Família” faz lembrar alguma coisa?!

Quando aludi aos idiotas da Internet, termo cunhado por Umberto Eco, à época pintei com cores mais vivas este quadro. Mas lógico que três anos é uma eternidade e, a minha perceção é que a coisa piorou muito. Estamos todos encerrados no ego do umbigo, e no meu meio não são raros os escritores que não vendem um exemplar de um livro, mas que são experts em fazer publicidade de si mesmos. Como disse Sérgio Sant’Anna numa das FLIPs: “O Brasil tem muitos escritores. E poucos são leitores”.

Escritor brasileiro Sérgio Sant’Anna

Nada contra essa exacerbação do ego, se evitar que o pobre-diabo pague uma consulta ao psiquiatra, que mal há? Dos cadernos culturais dos grandes jornais que minguaram, transformando a cultura em entretenimento e Netflix, com estagiários alçados à condição de críticos de arte, desde que publiquem apenas releases enviados pelo alvo da notícia, este é o cenário que encontramos.

A moral e os bons costumes criticaram um beijo de uma adolescente de 16 anos ao professor. Beijo roubado, diga-se de passagem. Esclareço que Carla era além-idade, uma cabeça à frente do seu tempo e adepta do enunciado de Emil Cioran de que podia partir a qualquer momento. E se foi. Queda acidental ou suicídio? Que importância tem, talvez seja o mundo e os seus escombros ocasionando os seus efeitos. Dei tanta autonomia a esta personagem que até hoje me pego a pensar se foi suicídio ou não.

No nosso diversionismo consumista, Brigitte “deixa a vida me levar / vida leva eu”. Questionaram-me se essa personagem de facto existe, e se eu convivi com ela, em carne e osso. Não seria deselegante, mas prefiro mentir a revelar essa personagem. Nas suas compras que passavam fácil da casa de quinhentos mil reais, a dizer que o dinheiro significa apenas o dinheiro. Ela existe assim e faz parte da lógica “Consumo, logo existo!”.

Sobre excessos nos Movimentos auto-afirmativos, como o Feminista e o de Consciência Negra, já no próprio livro desmascarei Márcia, que intentando editar uma Revista Feminista, escreve um artigo pífio cheio de jargões e lugares-comuns. Refleti ao longo deste período que prefiro romancistas homens, daí o facto destes coletivos de mulheres não me dizerem nada. Bom deve ser o livro, não se foi escrito por homem, mulher, favelado, negro, LGBT+, adepto do Vasco da Gama, etc. Claro que existem exceções neste meu gosto: amei ler “O Sol é Para Todos” de Harper Lee e “Vagalumes & Parasitas“, de Cynthia Ozick.

Escritora norte-americana Harper Lee

Sobre o Movimento Negro eles não pararam para refletir que a sua existência ficou designada pelos grandes veículos de comunicação do país à segunda quinzena de novembro apenas. O certo é que existam todos os dias do ano. Essa ‘pegadinha’ não leva em conta o facto de não termos, ainda bem, a detestável seita de supremacistas brancos, e se ousarem saírem dos seus buracos, a Constituição Federal estará pronta a fazer valer a lei.

Sobre vícios e falácias, personagens misturam-se e longe de serem protótipos, são seres humanos. Leitores reportaram-me que eu estava a descrever histórias percebidas de facto, não disse nem que sim nem que não, e acredito piamente naquela ideia de Oscar Wilde de que entre a vida real e a arte, a verdade habita nesta última.

As minhas expectativas de vendas para “A Queda” foram baixas. Verificável ao fim do primeiro capítulo, quando um lançamento de um livro com teor filosófico rendeu apenas a venda de dois exemplares. Mas, estranhamente, o livro vendeu bastante na vida real. Sou um estranho no ninho, destes que compram um CD da banda preferida para investigar o conceito do álbum. Antídoto a ser mais um zombie da Internet, postando as minhas bobagens diárias, refugio-me na leitura de excelentes romances e escrevo profissionalmente recebendo bem os meus direitos autorais.

A Covid-19 veio colher-me no meu momento de maior introspeção: longe de tudo e de todos, percebi que com os meus rendimentos, tal Hans Castorp no sanatório de Davos em “A Montanha Mágica“, tão bem descritos por Thomas Mann, permitiu-me sair da planície e curar-me da imbecilidade que é viver em bando.

Não se trata de saber o futuro, basta-nos agarrar cada qual ao pedaço de escombro que lhe é destinado. Afinal, na 2.ª edição desta obra, alterarei a partícula para demonstrar: “Em Queda“.

Marcelo Pereira Rodrigues

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