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Porque A Arte Somos Nós

Este ano redondo viu morrer dois ilustres pensadores e de modo trágico: enquanto Friedrich Nietzsche se despedia do mundo pela sífilis e loucura, Oscar Wilde, nascido em 1854, num quarto ordinário de pensão em Paris, falecia tendo um enterro como indigente e pouco sabiam ambos que teriam seus nomes eternizados pela história das letras e mundo das ideias.

Aqui no Barrete, a Lorena Moreira escreveu uma excelente crítica da obra “O Retrato de Dorian Gray“. Abordarei neste texto a personalidade do seu autor, um homem à frente do seu tempo e um provocador nato. Tudo em Oscar Wilde exalava provocação, deboche, escândalo. Se vivesse hoje neste mundo super conectado e mediático, certamente seria a celebridade por excelência. Vamos destrinchar um pouco esse jeito de ser? O irlandês bonitão circulava nas rodas da sociedade londrina e parecia ser daqueles que são difíceis de se entender quando estão a falar a sério ou quando estão a ser irónicos. Imaginem a sociedade tradicional londrina do chá das cinco.

O deboche e escárnio já aparecem num trecho de “O Retrato de Dorian Gray“, quando snoba o compromisso assumido por um dos personagens, afirmando mais ou menos o seguinte: “Entre assumir um compromisso social e ir de facto existe uma distância imensa“. Dândi assumido, pela forma de se vestir já se percebia uma certa vontade de ser observado. No terno bem cortado, uma aberrante flor para lhe dar o devido destaque. E assim ia ele, participando das rodas sociais e sempre debochando das coquetes, dos homens honrados, certamente era o sujeito das piadas prontas e muito da sociedade já nos é apresentada no seu livro mais famoso.

Oscar Wilde viveu na segunda metade do século XIX, mais precisamente, na Era Vitoriana / Victorian-Era.org

Mas, da mesma forma que admiramos as celebridades atualmente, o excesso de aparição cansa. Cansa e vai gerando mágoas, pois o acúmulo de chistes e, mesmo que o autor atribua a personagens fictícios os factos, o certo é que sabem que aquele janota assumido merece uma lição. Imaginem então Oscar Wilde confrontando as leis e tendo relações homossexuais, notória a proibição dessa prática horrível, aos olhos dos moralistas de plantão. Foi acusado, entrou com um processo judicial e traído por um dos seus companheiros, o feitiço vira-se contra o feiticeiro e ele é sentenciado, julgado e condenado à prisão, passando uma temporada na cárcere.

Imaginem a cena: era chegada a hora da sociedade londrina cuspir no janota que tanto lhes debochara. Uma das cenas mais tocantes para mim foi quando o Estado confiscou os seus bens, inclusive os seus livros. E é aí que Oscar Wilde se entrega, prostrado frente à violência inestimável de honoráveis senhores que nem de longe sabiam do valor sentimental desse tesouro, pois era assim que Wilde considerava os seus livros. Metáfora bem definida, o dândi da Irlanda está envelhecido, mas certamente o retrato está preservado e perdurará sendo a eternização do seu nome e trabalho, inverso do proposto na bela resenha escrita pela Lorena.

A minha forma de homenagem a Oscar Wilde é não nomear o juiz e corpo de sentença, tampouco o seu amante e o pai deste que o processou. A sociedade londrina perde-se para mim no anonimato dos seus membros, e ressalto apenas o que é muito mais importante: o nome e projeção de Oscar Wilde e, à guisa de homenagem, abro ao acaso uma seleção das suas melhores frases e, parece que foram feitas para serem publicadas no Facebook. Com chistes e provocações ferinas, contidas no livreto “Oscar Wilde Aforismos” (Clássicos Econômicos Newton, 95 p.) destaco algumas passagens. Permitam-se rir e refletir:

Hoje em dia é muito perigoso para um marido, ser gentil em público com a mulher: isto faz com que as pessoas pensem logo que ele a surra na intimidade. De tão grande que é a incredulidade do mundo por aquilo que tem a aparência de felicidade conjugal“;

Todo o mundo sabe compadecer o sofrimento de um amigo, mas é preciso ter uma alma realmente bonita para se apreciar o sucesso de um amigo“;

Um homem que não tem pensamentos individuais é um homem que não pensa“;

Os afortunados do mundo têm o seu valor, mas apenas o valor negativo da rejeição. Eles exaltam e iluminam a fascinação e a beleza dos infelizes“;

A base lógica do casamento é o recíproco mal-entendido“;

Um homem que faz sermões morais é quase sempre um hipócrita, e uma mulher moralizadora é invariavelmente feia. Nada há no mundo que caia tão mal a uma mulher quanto uma consciência rígida demais. Ainda bem que a maioria das mulheres está convencida disto“;

Oscar Wilde

Em Londres chega a ser escandaloso o número de mulheres que flertam com os seus próprios maridos. Dá para ficarmos horrorizados. É exatamente o mesmo que lavar em público a roupa suja“;

É absurdo classificar as pessoas como boas ou más. Há pessoas agradáveis e pessoas maçantes“;

Desconfiem de uma mulher que confessa a sua verdadeira idade. Uma mulher que diz isto, poderá dizer qualquer coisa“;

O que vem a ser a verdade? Em assuntos religiosos, não passa da opinião que prevaleceu. No campo da ciência é a última novidade. No plano da arte, é a mais recente atitude do espírito“;

O segredo da vida consiste em nunca experimentar uma emoção que seja contrária à elegância“;

Quando uma mulher se volta a casar quer dizer que detestava o primeiro marido. Quando um homem se volta a casar quer dizer que adorava a mulher. A primeira quer provar a sua sorte. O segundo a arrisca“;

Depois de um bom jantar estamos dispostos a perdoar a todos, até aos nossos parentes“;

É muito doloroso, para mim, ser forçado a dizer a verdade. É a primeira vez na minha vida que me encontro diante desta dura necessidade, e a minha inexperiência no assunto é absoluta“;

As almas superficiais precisam de anos para se livrarem de uma emoção. O homem dono de si mesmo sabe dar cabo de um sofrimento da mesma forma com que pode improvisar uma alegria“;

Para entrar na sociedade, hoje em dia, é preciso comprazer às pessoas, ou saber diverti-las, ou escandalizá-las; basta isto“.

Marcelo Pereira Rodrigues

5 thoughts on “Oscar Wilde: O artista além do seu tempo

  1. Caro Marcelo. Após a leitura do artigo da Lorena fiquei com uma imensa vontade de ler a obra de Oscar Wilde, “O Retrato de Dorian Gray”, o que aconteceu, estando neste momento a terminar a leitura da mesma. Depois de ler o teu artigo, fiquei curioso com o facto de nem tu nem a Lorena terem referido o facto de se atribuir a esta obra um caráter autobiográfico por parte do autor. O próprio mencionou: «Basil Hallward é aquilo que eu penso de mim; Lord Henry, o que o mundo pensa de mim; Dorian é o que eu gostava de ser noutra época, talvez.». É certo que não dispomos de matéria para atribuir em definitivo esse caráter à obra, no entanto, estou convicto que Oscar Wilde espelha nesta obra muito de si. Uma coisa é certa, seja ou não, nada altera o brilhantismo deste que é uma das maiores referências da literatura de todos os tempos. A sua escrita é clara e fluida, transportando-nos com grande realismo para o cenário da obra. Brilhante. Grande abraço. Jorge Gameiro

    1. marcelopereirarodrigues diz:

      Jorge Gameiro, muito obrigado pela sua avaliação. Sim, o caráter autobiográfico é certo, ainda mais que Wilde citou certa feita que “entre a realidade e a obra de arte a verdade sempre estava nesta última”. Quando abordamos textos panorâmicos, podemos incorrer sim em alguma falha, sempre observada pela leitura atenta de um leitor. Bom saber que gostou deste autor, e eu mesmo fiz uma “impostura” ao comentar para além da brilhante resenha feita pela Lorena. Grande abraço & boas coisas!

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