Depois do terror de tirar o folego em “Silent Hill“, há razões mais que suficientes para voltar à tão misteriosa cidade. Agora em 2001, na sexta geração das consolas. Com o inesperado sucesso do primeiro jogo, “Silent Hill 2” foi um dos jogos mais esperados ao virar do século, principalmente por aquilo que o melhor hardware poderia oferecer e trazer de crescimento à estética e experiência do jogo. Pessoalmente não vivi isso (este tipo de jogos não me fascinavam na altura), pois só em 2007 daria o passo na aquisição da mítica PlayStation 2.
Apesar das várias edições lançadas para as diferentes plataformas na altura, este texto foca-se na versão para computador (“Silent Hill 2: Director’s Cut“), que originalmente foi mal recebida pela crítica, e é atualmente a melhor versão para se jogar, dado que “Silent Hill HD Collection“, para as consolas PlayStation 3 e Xbox 360, apresenta o segundo e o terceiro jogo da série em formas inacabadas e com inúmeras diferenças artísticas que condicionam a experiência. Por isso, é uma coleção a evitar, a não ser que seja a única forma de os jogar.
Baseado no romance “Crime e Castigo” do russo Fiódor Dostoiévski, a narrativa do jogo centra-se em James Sunderland, que recebe uma carta da sua falecida esposa Mary Shepherd-Sunderland indicando que está à espera dele no ‘lugar especial’, em Silent Hill. Ao chegar à fechada entrada da cidade, James medita neste mistério, mas o desejo de voltar a ver Mary é demasiado forte, então segue um atalho a pé até à cidade. Ao passar por um cemitério, James cruza-se com Angela Orosco, que procura a sua desaparecida mãe e demonstra algum stress emocional, visto que recusa a ajuda de James, como se a sua busca fosse para ser feita sozinha.

Já na zona urbana, James descobre que Silent Hill, aquela bela cidade que foi há alguns anos, não continua igual. Além do bizarro e onipresente nevoeiro, a cidade inteira parece estar apodrecida e abandonada, apenas com a presença de criaturas humanoides que vagueiam pelas ruas e que atacam James sempre que possível. Ao descobrir que o caminho para o seu primeiro destino, o Rosewater Park, está bloqueado, James decide passar por um complexo de apartamentos para chegar ao que ele acredita ser o ‘lugar especial’ que Mary mencionou na carta.
Nesses apartamentos, vão-se manifestando algumas memórias de James, como uma maquete com a roupa de Mary. Ao chegar a Rosewater Park, James fica a conhecer Maria, uma mulher idêntica à sua falecida esposa. Os dois avançam juntos para o Brookhaven Hospital, onde pela primeira vez no jogo o Otherworld, a tal força misteriosa e perversa, se faz manifestar. Após o horror que aqui encontram, Maria acaba por ser morta pelo Pyramid Head.
Sozinho, James passa pela Silent Hill Historical Society, conseguindo encontrar um barco que o leva ao Lakeview Hotel. Nesta secção final no hotel, os segredos de James são revelados. Tal como no primeiro jogo, existem vários finais possíveis. Todas as reedições contêm um cenário extra Born from a Wish, que oferece um pouco de contexto a Maria antes de esta se encontrar com James.

Numa análise mais detalhada, o simbolismo presente em “Silent Hill 2” é notável. A cidade é para James uma compilação dos momentos vividos com a sua esposa Mary. Esses momentos estão presentes no que cada monstro simboliza. Por exemplo, as enfermeiras sem cara e com um decote revelador representam as repressões sexuais de James face às deformações físicas da sua esposa por causa da doença; o invencível monstro, Pyramid Head, funciona como uma figura cuja função consiste em castigar o nosso personagem pelos seus pecados.
Relativamente às personagens, elas carregam em si um significado que aprofunda a complexidade da história do jogo. Tanto Angela, que sofreu abusos sexuais, como Eddie Dombrowski, vítima de bullying, enfrentam os seus próprios demónios na cidade, como James, visíveis apenas a cada um. A misteriosa Maria, que deseja tanto James, parece representar o lado sensual que Mary perdera. Finalmente, a pequena Laura simboliza pureza e inocência, visto que é a única personagem que caminha livremente e sem qualquer tipo de perigo por Silent Hill.
Na parte técnica, a segunda entrada da série segue o mesmo modelo apresentado no primeiro jogo, isto a nível de jogabilidade e estética, apesar de esta última estar mais polida graças à tecnologia gráfica dos 128 bits. Continuamos a ter um protagonista everyman, puzzles essenciais para a progressão no jogo, e as características comuns da série (lanterna, rádio e mapa).

Um dos aspetos que mais me fez apreciar este jogo foi a banda sonora, a qual recomendo vividamente a sua audição, assim como o sound design. Ao contrário da dissonância industrial do primeiro jogo, Akira Yamaoka compôs principalmente música ambiental com uma forte vertente emocional. Os teclados dominam a atmosfera, o trip hop faz-se ouvir de forma sofisticada, e a música industrial continua presente nos momentos mais tensos, mas não tão fria e crua.
Há que salientar ainda o uso do silêncio e os efeitos sonoros neste jogo. Quando o Otherworld domina a cidade, existe um tremendo buraco negro a nível sonoro. O vazio é sentido, e de que maneira, ao andar pela cidade submersa numa profunda escuridão, quando o que apenas se ouve são os passos de James.
Em suma, “Silent Hill 2” é uma obra-prima que redefine a fórmula já apresentada no primeiro jogo e atinge o auge de tudo o que se pode esperar de um survival horror. A Team Silent cria uma autêntica viagem ao centro do terror do psicológico humano com temáticas tabu e uma rede de simbolismos que realmente elevam o lado mais intelectual. Pode não ser tão assustador como o primeiro jogo, mas é uma experiência emocional e memorável. Certamente, um dos pontos mais altos do médium.
Disponível em: Playstation 2, Xbox, Microsoft Windows
Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!
One thought on “Jogo: “Silent Hill 2” – O aclamado apogeu do survival horror”