Retornemos a Atenas no seu apogeu filosófico, democrático e inaugurando uma Era de Ouro na História do Pensamento Ocidental. Cerca de 2500 anos atrás. O alicerce da Filosofia Ocidental, sob o cimento e os estudos dos pré-socráticos, é o trio Sócrates (considerado “O Pai da Filosofia”), Platão e Aristóteles (384-322 a.C.). A este último será dada a alcunha de “O Filósofo”, pura e simplesmente. Estudado com ênfase até o final da Idade Média, é o sustentáculo das ciências e um pensador arguto que merece vários e vários artigos. Aqui irei apresentá-lo de forma panorâmica.
O rapaz de 18 anos chega a Atenas e percebe que existem duas tendências distintas na cidade acerca da educação. Uma dizia respeito à escola dos sofistas que preparava os jovens a exercitarem-se bem na retórica e oratória, como forma de ganharem vantagens numa discussão e, deste modo, a verdade seria relativizada. Não importava a veracidade da sentença, mas o grau de convencimento que aquela sentença poderia ter. Já tratei aqui a crítica ferrenha de Sócrates a estes sofistas, no diálogo “Fedro“.
Sendo Platão um discípulo de Sócrates, na sua Academia ele investigava a verdade por ela mesma, passando pelo crivo da razão o tempo todo e logo na plaqueta à entrada da sua escola, já advertia: “Que não entre aqui quem não gosta de Geometria”. Pois bem, O Estagirita (este é outro epíteto consagrado a Aristóteles, por ser da cidade de Estagira, na Macedónia) matricula-se na escola de Platão. No primeiro ano de estudos, eles não se encontram, uma vez que o Mestre estava na Sicília a tentar implementar a sua utópica República.

O aluno logo se destaca pelo empenho e brilhantismo. Mas inicia uma investigação própria e ao invés de apenas se submeter à dicotomia essência – aparência na “Teoria das Ideias de Platão”, começa a olhar mais para as coisas terrenas. Investiga as espécies, cataloga itens da fauna e da flora e passa a sistematizar o seu aprendizado e conhecimento, sendo o primeiro a formular uma História Natural e assim caminha Aristóteles no seu processo educacional. É interessante ressaltar-se que muito do alicerce científico é fruto dessa base aristotélica.
Quando nos referimos a termos de tais substâncias, géneros, espécies, lógica matemática, formas etc. o incrível é saber que isso é resultado de todo o estudo do Estagirita. Claro que devemos contextualizar a época e não julgarmos o erro dele por admitir apenas alguns planetas. Não se trata aqui de acertos 100%, o maravilhoso é entendermos que o sujeito formulou as bases da ciência moderna.
Na Macedónia, um jovem rebelde e beberrão, que com 13 anos já tomava todas e estava aborrecendo o seu pai que precisava de um professor que o enquadrasse. O nome do aprendiz é Alexandre, mas se eu disser que é O Grande vocês logo identificarão a figura. Pois bem, Aristóteles foi preceptor dele e teve trabalho para domar o seu génio indócil. Mas adveio daí uma bela amizade, sendo que quando o Conquistador empreendia as suas batalhas, sempre recolhia espécies para a catalogação do seu querido Mestre.
O fluxo seguia e já se percebia que Aristóteles estava em pés de igualdade com Platão. O Filósofo permanece 20 anos na Academia e quando Platão morre, empreende uma carreira solo, talvez chateado pelo facto de o comando da escola não ter sido legado a ele.
Há um quadro de Rafael Sanzio, pintado entre 1509 e 1510, denominado Escola de Atenas, encomendado pelo Vaticano e este é um dos quadros mais icónicos da História da Arte. No plano central, o Mestre Platão conversa com o discípulo Aristóteles. Há um detalhe que chama bastante a atenção e ele é uma chave interpretativa: os dedos das mãos. Observamos Platão apontando para o alto (certamente uma alusão à sua “Teoria das Ideias”) enquanto Aristóteles parece dizer que devemos investigar as coisas mais terrenas, apontando o seu dedo para o chão. Lembro-me que à época da faculdade, a nossa turma emoldurou este quadro e ele nos acompanhou até à nossa formação.

Vamos filosofar um pouco? Uma das grandes teorias de Aristóteles é acerca das quatro causas, e ele sistematiza isso com bastante desenvoltura. Imaginemo-nos diante de um pedaço grande de madeira. Olhamos para essa madeira e pensamos logo em criarmos uma cadeira. Vamos aos poucos: a causa material seria a própria madeira, ou seja, o meu cérebro identificou esse elemento e logo eu pensei numa finalidade para lhe dar, daí a causa final. Mas antes terei que laborar para que aquele pedaço de madeira seja uma cadeira.
A causa eficiente é o labor em si. Significa o fazer a cadeira, trabalhar nela, utilizar instrumentos como o serrote, a plaina, a lixa, etc. A causa formal é aquilo que é a própria cadeira, o interessante é que ao perceber a presença da madeira e quando eu visualizei que seria uma cadeira, eu movimentei o meu raciocínio para que aquele material fosse transformado e me servisse de algum modo. Mas aí vocês questionarão: mas isso é simples! Pois bem, a Lei das 4 Causas em Aristóteles é quase um dogma no campo da Filosofia e da Ciência.
Uma outra discussão bastante interessante acerca da substância é sobre a dicotomia entre potência e ato. Se eu tenho uma semente de laranja em mãos, ela carrega em si a possibilidade de se transformar amanhã num pé de laranja, e isso é óbvio via plantação, cultivo, frutificação, etc. Essa dicotomia traz em seu bojo discussões éticas interessantíssimas, pois já concebemos aquela ideia de que os seres humanos têm potenciais a serem desenvolvidos. Portanto, nunca somos o ato pronto e acabado, pois potencialmente podemos sempre nos desenvolver mais.
Quando passei a publicar os meus artigos nos murais da faculdade onde estudava, em 1998, naquele ato em si já indicava que eu tinha potencial para me transformar num escritor de facto e ofício, vivendo de literatura há 20 anos, tendo 13 livros publicados, sendo editor de uma Revista incrível, a Conhece-te, e sendo articulista deste OBarrete. Mas o interessante é que o Marcelo de hoje ainda não está pronto. Sou esse ato hoje, mas encontra-se em mim potencial para me desenvolver mais e mais.
No campo da Ética, Aristóteles tem discussões sublimes. Ele vai elencar diversos aspetos da virtude, do bom, do justo, do meio termo, da correção nas nossas práticas, enfim, são contribuições aplicadas até os dias atuais em todas as democracias Ocidentais do dito Primeiro Mundo, e esse código moderador é exemplar. A leitura da sua Ética é um deleite e podemo-nos entender com conselhos como este:
“Tem o homem feliz necessidade, ele também, de amigos? Certamente, não se pode imaginar um homem feliz na solidão, porque o homem nasceu para viver em comunidade. Melhor, portanto, que conviva com amigos e com homens virtuosos do que com gente estranha“.
Costumo dizer que Aristóteles é o homem que pensou tudo. Daí a menção O Filósofo, pura e simplesmente. Findo com um dos seus adágios que, infelizmente, são verificáveis até os dias atuais: “No mundo alguns nasceram para serem senhores, outros nasceram para serem escravos“. Claro que ele falou dentro de um contexto social na Grécia Antiga, mas podemos interpretar este pensamento com a diferença de senhores (aqueles que pensam com a sua própria cabeça) e escravos (aqueles que se deixam levar pelas ideias dos outros). Bastante atual, não?
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