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Porque A Arte Somos Nós

O filósofo italiano Umberto Galimberti (1942) é psicanalista, professor e um dos pensadores mais argutos da contemporaneidade. O seu mote de pesquisa é a técnica, mas, antes disso, ele convida-nos a uma viagem pela História da Filosofia de modo a contrapormos muitas das nossas irreflexões atuais.

Na formação para se pensar, avalia com preocupação o facto de escolas do ensino secundário na Europa estarem a acabar com o ensino da filosofia, sob o pretexto de que ela não serve para nada. Brinca relembrando Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) que afirmava que “a filosofia não serve para nada, pois ela não é serva“. Incrível, não?!

Acerca desta “inutilidade”, contrapõe a técnica como sendo aquela visão humana de domínio sobre a natureza. Cita Martin Heidegger (1889-1976) quando afirmava que o homem ao observar uma floresta pensava imediatamente na quantidade de lenha possível, da mesma forma que ao avistar um rio remetia imediatamente à quantidade de energia que poderia comercializar e, na nossa atualidade observamos isso o tempo todo, com a servidão da natureza a interesses comerciais inescrupulosos, mesmo que condene o próprio homem à ruína num futuro próximo.

Essa desumanização é observável hoje no comando das máquinas, que friamente executa tarefas, afirmando Galimberti na brincadeira que um computador não fica grávido, depressivo ou ocorrências outras, visto que é uma espécie de comando autónomo e distante. Isso visa a uma maior eficiência, e aqui o pensamento (se é que existe) deve ficar circunscrito à maior eficiência com o menor grau de empenho. Deixemos que as máquinas decidam por nós.

O filósofo e escritor alemão Martin Heidegger

Alerta para “a desgraça do telemóvel”, onde reduzimos drasticamente as nossas perceções ao visualizarmos aquela caixinha quadrada minúscula e, aos poucos, vamos perdendo a complexidade do que é grandioso e está por perto, ao lado etc. Acerca da ansiedade por respostas na comunicação desumanizada, retira-se o tempo de reflexão que existia quando recebíamos uma carta de uma amiga e tínhamos que nos concentrar para responder àquela pessoa, pois bem, tudo isso hoje se esvai na modernidade líquida já aventada brilhantemente por Zygmunt Bauman (1925-2017).

Da técnica que leva ao progresso científico, a aceleração em busca de resultados e eficiência sinaliza para o nazismo e as suas práticas frias e laborais. Quando um determinado responsável estava encarregue de exterminar pessoas num campo de concentração, este acionava o botão e cumpria ordens, sendo eficiente no seu intento de agradar ao seu superior. A desumanização é a mesma quando lançamos duas bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki (a operação foi eficiente? Atingiu o alvo?).

Retornando às bases do pensamento ocidental, parece concordar com Platão (428 a. C. – 348 a. C.) quando este desdenha a democracia, e na sua República aventa a necessidade de esta pertencer à aristocracia. Tudo um jogo encadeado para nos alienar das nossas possibilidades, a política apresenta-se pelo viés da propaganda e das aparências. Quando entendemos que ser democrático não é meramente votar, ficamos à mercê de partidarismos que não nos levarão a qualquer lugar.

Da maioria dos assuntos, não compreendemos nada, basta observarmos a Covid-19 atual. Se você não é médico, nem geneticista, nem pesquisador, como se pode arvorar a saber do que se trata quando as fontes são interditas? Certamente irá acreditar no seu líder, naquele que faz propagandas em defesa dos seus interesses comerciais e políticos.

O psicanalista e filósofo italiano Umberto Galimberti

Certamente o filósofo é aquele que põe em suspenso todos esses achismos, prefere o isolamento da montanha para as suas reflexões, mesmo sabendo que numa sociedade irrefletida o seu papel será cada vez mais desvalorizado, pois esta é uma sociedade programada para a utilidade, para aquilo que dá lucro e é eficiente.

Umberto Galimberti é um pensador que merece ser mais lido e refletido. Numa autêntica palestra desperta as nossas sinapses e de caminho leva-nos a passear pelo legado do pensamento ocidental, indo de Platão a Kant (1724-1804) e desembocando em nosso quotidiano.

Acredito que estas reflexões devam ser colocadas em prática, para que não se torne amorfo e alienante simplesmente pertencer ao bando. Devemos ter o tempo adequado para as reflexões (sem a obrigatoriedade de se cursar Filosofia nos bancos universitários, aliás, são nas universidades que ocorrem muitas vezes a morte da disciplina, com professores mais interessados em poder nos seus respetivos departamentos), mas a mesma deve ser popular (sem ser populista).

Pois ao verdureiro que reflete sobre a sua produção, a mãe que reflete sobre sua maternidade e ao estudante que entende que o máximo de conforto aliado aos modismos eletroeletrónicos não o livram de angústias existenciais, bem, todos estes estão a pensar. Fazendo filosofia, por mais que muitos aventem para a inutilidade dela.

E vocês, o que pensam?

Marcelo Pereira Rodrigues

Pintura de Rafael Sanzio, “Scuola di Atene” (1509–1510)

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