Para quem não conhece uma das alegorias mais famosas de sempre – “A Alegoria da Caverna“, criada por Platão –, fica a explicação: Platão quis mostrar como a nossa vida é igual a estar acorrentado numa gruta, forçados a observar sombras (ilusões) da realidade. Nesta alegoria, um grupo de prisioneiros está preso numa caverna desde que nasceram, sem qualquer conhecimento do mundo exterior. Encontram-se acorrentados e apenas conseguem ver as sombras da realidade exterior, projectadas por uma fogueira. Um deles consegue fugir e depara-se com a verdadeira realidade, que o ofusca.
Finalmente percebe que tudo aquilo que viu durante toda a sua vida não passava apenas do que a realidade parecia ser. Ele regressa à caverna e conta aos restantes prisioneiros o que viu. No entanto, todos o consideram um louco, resignando-se àquilo que vêem, e rejeitam sair da caverna. Tudo isto para mostrar verdadeiramente que, de facto, muitas vezes, o pior cego é aquele que não quer ver.
José Saramago, neste sentido, põe em questão: “E se nós fossemos todos cegos“? E concretiza: “Mas nós estamos realmente todos cegos“. Na sua visão, a humanidade de hoje está cega em vários sentidos: da razão, da sensibilidade e de “tudo aquilo que faz de nós, não um ser razoavelmente funcional no sentido da relação humana“, mas, na sua opinião, um ser agressivo, egoísta e violento. O escritor afirma que este é, precisamente, o espectáculo que o mundo nos oferece, nomeadamente, um mundo de desigualdade, de sofrimento, “com explicação — podemos explicar o que se passa —, mas não tem justificação“.

Fazendo agora o paralelismo com a temática mor adjacente a esta reflexão, Saramago diz que nós nunca vivemos tanto na Caverna de Platão como hoje. Em que medida? “Olhando em frente, vendo sombras, e acreditando que essas sombras são uma realidade“. No fundo, para ele, as próprias imagens que nos mostram a realidade de alguma maneira substituem a realidade. E este é, segundo ele, um dos grandes problemas da nossa humanidade – ou falta dela.
Por outro lado, mas na sequência, o cineasta alemão Wim Wenders afirma que a maioria das imagens que vemos está fora de contexto, no sentido em que não nos tentam dizer algo, mas vender-nos algo. No entanto, para ele, a maior necessidade humana está em algo nos dizer algo. E dá um exemplo: “como quando uma criança vai para a cama e quer ouvir uma história, não tanto porque se preocupa com a história em si, mas sim porque o próprio desenvolvimento da história cria segurança e conforto“.
Para Wim, mesmo quando crescemos, continuamos a gostar da segurança e do conforto que provém de qualquer história, uma vez que a própria estrutura da história cria um significado, “e a maioria das coisas nas nossas vidas acontece sem grande significado“. Ou seja, o cineasta enaltece que todos temos um desejo profundo por significado.

Tocando na questão da materialidade, enquanto conceito que, infelizmente, os seres humanos tendem a sobre-valorizar, Wim Wenders afirma que nós temos muito de muitas coisas hoje em dia. “Mas a única coisa que não temos de mais é tempo”. Neste sentido, revela o real problema: a ideia de que, na verdade, ter muito de todas as coisas significa não ter, na sua essência, nada. “O excesso de imagens de hoje em dia mostra, basicamente, que nós somos incapazes de prestar atenção”. Ou seja, para ele, hoje as histórias/imagens têm de ser extraordinárias para nos tocarem. E isto infelizmente, pois, segundo o escritor francês André Gide, «c’est l’art d’exprimer le plus em disant le moins».
Voltando a Saramago, há que ainda fazer uma referência à sua ideia de que vivemos num contexto onde os sons e as imagens se multiplicam, e onde vamos cada vez mais sentirmo-nos perdidos; “perdidos, em primeiro lugar, de nós próprios, e em segundo lugar perdidos na relação com o mundo“. Para ele, acabamos por ‘circular’ pelo mundo sem saber muito bem “nem o que somos, nem para que servimos, nem que sentido tem a existência“.
Porque o conhecimento não ocupa lugar.
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