“Run” (2020) conta a história de uma adolescente, Chloe (Kiera Allen), paralítica da cintura para baixo, diabética e com muitos outros problemas de saúde. Ela sempre foi educada em casa e sempre foi super protegida pela sua mãe, Diane (Sarah Paulson), com quem vive. Posteriormente, com a mera substituição num dos seus medicamentos, Chloe começa a suspeitar que a sua mãe esconde alguns segredos sombrios.
A riqueza contemplativa deste filme é um dos seus pontos mais fortes. Consegue ser audaz na maneira como aprofunda o seu motivo narrativo, e consegue abrilhantar a sua dinâmica com um ritmo muito enquadrado com a sua essência de thriller e de mistério, sem nunca abandonar, naturalmente, o seu toque mais dramático. Consegue ser coeso na sua simplicidade de processos, e aquilo que faz, faz bastante bem. As interpretações das personagens são ricas, sobretudo a de Kiera Allen, que dá corpo e alma a uma personagem com uma obstinação e vivacidade fora do comum, apesar de todos os seus problemas de saúde.
A forma como o filme consegue contextualizar uma dinâmica entre mãe e filha, que inicialmente até parece bastante saudável e recomendável, com o adensar da narrativa entendemos que o que move a essência da relação não é algo muito positivo. A forma como a realização de Aneesh Chaganty alimenta o suspense inerente à trama cinematográfica, sem nunca ser demasiado audaz, assenta profundamente numa produção, toda ela, sagaz e tremendamente assertiva.

O argumento, esse, divide o protagonismo com o realizador e com Sev Ohanian, sendo altamente convidativo, consistente e criativo, em certa medida. Traz-nos uma história à primeira vista banal, mas que em si mesma carrega todo o seu carácter sui generis. Assenta, portanto, numa estrutura em que as duas protagonistas se vão revelando em toda a sua complexidade, sem nunca descorar a sua missão dentro da história em si.
Mas, o que “Run” tem de tão especial é precisamente a simplicidade dos seus processos. Não tenta ir por caminhos que não domina e tenta sempre ser preciso no seu subtexto. A sua fotografia não é, objetivamente, do que mais salta à vista, apesar do predomínio profundo de cenas em que o foco está nas reações e emoções das personagens. O que este filme consegue realçar com maior profundidade é precisamente a forma como por vezes projetamos os traumas do nosso passado no nosso presente e tentamos, de certa forma, compensar em quem está à nossa volta o vazio que sentimos.
Dessa forma, o filme é, também ele, bastante filosófico, porque nos coloca em constante perspetiva, sem nunca perder o seu norte dramático mais vivo e emocionante. Porque o prazer artístico inerente a esta película tem muito que ver com a sua consistência, com a sua criativa linearidade, além de que tem uma vertente profundamente realista ao mostrar pelo que uma pessoa cheia de debilidades (Chloe) tem de passar para conseguir ter uma vida (minimamente) normal.

A proteção constante por parte de Diane para com a sua filha fez com que ela crescesse no meio de uma bolha, completamente isolada do mundo e sem amigos. O controlo é também, portanto, uma de muitas outras temáticas que este filme explora, e bem. Por outro lado, a curiosidade de Chloe, uma rapariga inteligente e bastante perspicaz, permite-lhe ver para além do óbvio, além da realidade que a sua mãe mostra – um pouco ao estilo da Caverna de Platão.
Desta forma, aqui temos não só uma produção cuja banda sonora é bastante ritmada e profunda nas envolvências que consegue criar com o espectador, mas também permite uma experiência que encontra, mais uma vez, na sua constância, na sua previsibilidade, a sua maior valência – precisamente porque consegue ir a fundo nas questões mais humanas e investe, realmente, nas suas interpretações.
Posto isto, não se pode deixar de elogiar “Run” (“Corre!” em português), cujas falhas são bastante curtas para com a envergadura desta grandiosa história. Uma história onde cabe praticamente tudo, desde ação, drama, terror (psicológico e afins), thriller e comédia, e onde a mensagem mais sublime começa e acaba na sua intensidade, na sua capacidade de nos reinventarmos perante a fuga do inevitável.
2 thoughts on ““Run”: Fugir da inevitabilidade”