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É curioso como certas obras nos caem nas mãos. Certamente fruto de um escambo com um conhecido, trouxe para a minha biblioteca a 27 de abril de 2018 um livro fininho (111 páginas) com um título intrigante, “Escuta, Zé Ninguém” (Livraria Martins Fontes Editora), de Wilhelm Reich (1897-1957). Primeiramente, a expressão “Zé Ninguém” havia-a escutado na canção da banda de rock brasileira Biquíni Cavadão, sendo um dos seus hits. Mas aqui a temática é completamente outra.

Neste livro em forma de carta, confessional e ressentida, acusatória até não mais poder, o autor ataca um infeliz indeterminado que é tacanho e infeliz, mesmo acreditando estar ao lado dos poderosos. Publicada postumamente, a carta é um verdadeiro antídoto que certamente desopilou o fígado do proponente. Aos poucos vamos descobrindo tratar-se Reich de um psicólogo e as análises que faz acerca deste Zé Ninguém são corrosivas.

Interessante que à medida em que lia, pensava (silenciosamente) em alguns perfis que se encaixam: pouca profundidade intelectual (quando muito, apenas o uso de jargões e sentenças rápidas, tal como lembrar-se de Sócrates apenas pelo “Só sei que nada sei“); mente pornográfica ao invés de mente amorosa e relacional; adulação aos poderosos; traição aos amigos e àqueles que lhe estenderam a mão em alguns momentos, etc. No final, sairão com a impressão de um diagnóstico muito bem feito.

O psiquiatra, sexólogo, psicanalista, biólogo e físico austríaco-americano Wilhelm Reich

Lembro-me aqui de uma história muito profunda: Jean-Paul Sartre escreveu uma biografia sobre o controvertido Jean Genet e levou a obra para este na prisão. O biografado decidiu não mais ver o biógrafo, pelo facto de se ter sentido vasculhado nos recônditos da sua alma. Genet não teve raiva de Sartre, teve vergonha.

Mas voltando, à medida em que lia aparecia a pista do Instituto Orgone. Reich era o proponente desta nova abordagem psicológica terapêutica e, tendo sido aluno de Sigmund Freud, dele se desligou e seguiu o seu caminho sozinho, após ter sido expulso da Sociedade Psicanalítica de Viena. O Instituto era uma associação de médicos, mas os seus métodos experimentais levantaram dúvidas principalmente no que toca à sua caixa energética, onde ele afirmava que o nosso corpo possuía cordões (nós), sete, e mais tarde muito se assemelha às técnicas do chacra que possuímos.

Se transpormos isso para os nossos dias, e apontando como ponto pacífico que tudo o que nos envolve é energia, somos sabedores de pontos no nosso corpo que devem estar harmonizados para que tenhamos uma qualidade de vida superior. O que a nossa mente pensa; o que o olho vê; a boca e os alimentos que ingerimos; o nosso diafragma e claro, a região da nossa genitália. Buscamos constantemente o equilíbrio e à época, essas investigações sofreram toda sorte de cerceamento, tendo sido o seu proponente expulso de mais algumas sociedades e preso, por dois anos, e foi só no final da sua vida que escreveu este desabafo.

Terminado o livro, procurei no YouTube mais informações e foi com surpresa e felicidade que soube que existe atualmente uma sociedade reichiana, onde profissionais aplicam as teses do seu criador, e isso só me fez confirmar uma tese: “pinos soltos”, na expressão de Steve Jobs, que seguem caminhos diferentes na vida, pagam um preço bastante alto e o mais certo é que a incompreensão virá a reboque. Mas o tempo acaba dando razão àqueles que revolucionaram uma área.

Reich foi educado estritamente segundo a cultura alemã, sendo que aos quatro anos já sabia o essencial sobre a sexualidade animal e humana

No caso de Reich, comungo das ideias similares ao chacra, mas não tenho juízo de valor para lhe aferir. Como escritor de um panfleto virulento, acredito que fez terapia e como afirmei no início desta, desopilou o seu fígado. Como destacado nesta passagem, cito:

Tenho muito medo de ti, Zé Ninguém, um enorme e profundo medo, e nem sempre foi assim. Eu já fui um Zé Ninguém entre milhões de outros. Hoje, como cientista e psiquiatra, sei ver que és doente e perigoso na tua doença. Aprendi a reconhecer o facto de que é a tua doença emocional que te destrói minuto a minuto e não qualquer poder exterior. Há muito já que terias suprimido os tiranos se estivesses vivo e são no teu íntimo.

Hoje em dia os teus opressores vêm das tuas próprias fileiras, tal como outrora vinham dos extratos mais altos da hierarquia social. Ainda são mais medíocres do que tu, Zé Ninguém. Porque, tendo conhecido por experiência a tua miséria, é necessária muita mediocridade para utilizar esse conhecimento com vista à tua supressão ainda mais perfeita e eficaz.

Marcelo Pereira Rodrigues

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