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O primeiro a gente nunca esquece. Sendo a Argentina e o Chile os celeiros dos melhores filmes na América do Sul, quando encontramos um paraguaio ou uruguaio ficamos satisfeitos, como se estivéssemos revisitando estes países. No caso do Peru, este “La hora final”, baseado numa história real, fez-me revisitar Lima (capital) e a sua história, que nas décadas de 1980 e 1990 era palco da atuação de um grupo terrorista com interpretação equivocada dos ideais de Karl Marx (1818-1883), o Sendero Luminoso.

Escrito e realizado por Eduardo Mendoza de Echave, este drama de 1h57 minutos conta com nomes como os de Antonio Vega, Nidia Bermejo, Pietro Sibille, Haysen Percovich e Emilran Cossio no elenco. “La hora final” encontra-se disponível Netflix Brasil.

Detetives da polícia de Lima estão às voltas com as investigações sobre células terroristas na cidade, capitaneadas pelo temido Abimael Guzmán, o líder do Sendero. As condições dos policiais são precárias: os automóveis são verdadeiras latas velhas, os rádios comunicadores são limitados e a duras penas um par de detetives trabalham. E é aí que entra a dimensão humana do filme. Longe de significar a dialética ‘mocinho’ – vilão, os detetives guardam segredos e vidas conturbadas. Bernales (interpretado por Vega) está em processo de separação litigiosa, sendo que a mulher pretende mudar-se e levar o filho com ela. Ele está com o aluguer atrasado há três meses e chega a ser cobrado pelo senhorio à frente do filho.

Nidia Bermejo (Gabriela Coronado) e Pietro Sibille (Carlos Zambrano)

Para além disso, sofre de bronquite crónica e não vive sem a sua bombinha de ar, mesmo exagerando nos cigarros. A bela Gabriela Coronado (aqui não tão bela, pela caracterização da personagem interpretada por Bermejo) vive um jogo duplo ao perceber que o seu irmão fora contratado pelo Sendero Luminoso. Tenta dissuadi-lo a sair dessa organização, mas o rapaz já está metido até ao pescoço nessa confusão. Estudante secundarista, é ideólogo ao ponto de atribuir a pobreza de onde vieram ao poder oficial que deveria ser combatido pelos guerrilheiros do qual ele se orgulhava fazer parte. Enfim, a lavagem cerebral já havia sido feita.

Durante a história, a polícia local consegue investigar, mas nunca dá o “pulo do gato” para destruir um núcleo deste grupo em Lima. São muito dependentes e, ainda por cima, o chefe deles sofre ameaças constantes de cortes de verbas por parte da polícia nacional. São literalmente assediados. Bernales, com uma linguagem mais grosseira, revolta-se com essa situação e parece perceber que está a enxugar gelo.

Realmente, a figura de Abimael Guzmán estava envolta de mitos e mais mitos. Como conseguira arregimentar muitos guerrilheiros a favor da sua causa, ia ganhando mais e mais notoriedade sendo para alguns um líder político, para outros o assassino frio e implacável que não hesitava em detonar carros-bombas nas suas ações. O momento político do Peru era conturbado, com o Presidente da República Alberto Fujimori a dissolver o Congresso Nacional num golpe de Estado.

“La hora final”

Os momentos mais dramáticos da película são quando Gabriela e Bernales são capturados e sofrem torturas atrozes, conseguindo este, apesar de todas as suas limitações, safar-se e assim salvar a sua parceira, agora feita amante, pois o guerreiro merece o descanso após as batalhas renhidas. A despeito de todas as dificuldades, enquanto Gabriela tenta mais uma vez dissuadir o seu irmão, e quando se dá conta de que seria ele o homem bomba que atentaria contra a vida de civis no centro da cidade, concretizando o seu ato, ela esquece qualquer grau de parentesco e percebe que ali não estava mais o seu irmão, mas sim um assassino.

A polícia consegue estourar uma casa que estava a ser monitorada e, no desenlace final, ocorre a captura do próprio, da lenda viva que atendia pelo nome de Guzmán. Um desfecho que rende ao anti-herói Bernales o término de uma missão, sendo que a dissipação desta célula e grupo terrorista trouxe paz ao povo peruano, pelo menos no que toca à guerrilha urbana.

Quando visitei Lima no ano de 2018, fiquei encantado com a recetividade do seu povo. O país ainda sofre de muitas desigualdades, e o sistema político atual é conflituoso, com muitos ex-presidentes indiciados, presos e um até cometeu suicídio. Mas apesar dos pesares, ou pelo menos para as visitas rápidas, ficamos com o melhor deste povo batalhador e, assistindo a esta película, senti-me de novo a aproveitar a bela culinária dessa gente.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3 out of 4.

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