Embora já tenha escrito aqui sobre Sócrates, é sempre bom retornar ao Mestre, de forma a elucidar partes da sua filosofia e personalidade. Recorro à obra de Battista Mondin, que nos cita:
“Sócrates nasceu em 469 a. C. em Atenas, quando a cidade já tinha atingido o máximo de seu esplendor artístico e o vértice do seu poderio militar e económico. O seu pai, Sofronisco, era escultor e a sua mãe, Fenareta, parteira. Sócrates cresceu forte e robusto, mas a sua aparência não primava pela beleza. Dotado de grande resistência física, não se abatia nem com o trabalho nem com as dificuldades. Andava descalço tanto no inverno quanto no verão e vestia-se do mesmo modo em todas as estações do ano. Era moderado no comer e no beber, mas, se necessário (em caso de aposta), ganhava a todos sem nenhuma consequência.
Começou o estudo da filosofia ainda jovem. Entusiasmou-se por Anaxágoras, de quem depois se desiludiu ao constatar a sua inabilidade em aplicar a doutrina da Mente Suprema à explicação do Universo. Abandonou por isso a filosofia de Anaxágoras e dos outros pré-socráticos.
O acontecimento decisivo da sua vida deu-se quando o oráculo de Delfos revelou a um amigo seu que nenhum homem era mais sábio do que ele. Procurou interpretar o significado do oráculo e concluiu que ele era o mais sábio porque tinha consciência da sua própria ignorância.
O oráculo colocou Sócrates no caminho da sua vocação: ensinar a verdade aos homens. Desposou uma mulher chamada Xantipa, a qual, como aparece no “Fédon“, não era absolutamente extravagante como muitas vezes se dá a entender.
Tomou parte em várias campanhas militares demonstrando sempre grande coragem e heroísmo (no cerco de Potideia, por exemplo). Manifestou a sua inteireza moral quando, em 406 a. C., recusou-se a dar o seu voto pela condenação de oito comandantes derrotados em Arginusa. Teve a mesma atitude em 404 a. C., quando lhe foi pedido que votasse pela condenação à morte de Leão de Salamina. Em 400 a. C, foi acusado de impiedade e corrupção da juventude. Os acusadores pediram a pena de morte, esperando que Sócrates se salvasse indo para o exílio antes da instauração do processo.
Mas ele enfrentou o processo e serenamente fez a sua própria defesa. Foi condenado à morte. Podendo propor uma pena alternativa, sugeriu uma pequena importância em dinheiro. Irritado, o tribunal confirmou a sentença de morte, que o próprio Sócrates executou, bebendo cicuta.” (Mondim, Battista; Curso de Filosofia (volume 1). São Paulo. Edições Paulinas, 1981, p. 44 e 45)
A figura de Sócrates é bem contraditória, não? Como ele não escreveu nada (ou pelo menos não deixou nada escrito), o seu legado ficou a cargo do seu discípulo Platão, que em muitos dos seus diálogos aborda o Mestre como personagem.

Mas o que observo nas minhas pesquisas sobre Sócrates é que ele dá um toque de simplicidade à filosofia. Sinceramente, não observo muita diferença daquela época para a nossa. Assim como no tempo do “Pai da Filosofia” havia muitas pessoas que se julgavam as donas da verdade, não é necessário irmos longe para constatarmos que essas pessoas ainda persistem com as suas arrogâncias e pretensões.
A frase que mais Sócrates usava é esta: “Eu só sei que nada sei“. Bem, trata-se de uma ironia. Um dos traços fundamentais dele refere-se à sua postura, a subtileza. A cada resposta obtida pelos seus interlocutores, ele, ao perceber a ausência do conceito essencial das coisas, vai enveredando as suas perguntas por labirintos que faziam os seus interlocutores ficarem confusos, e cônscios das suas ignorâncias.
A ironia trabalha sobre os pré-conceitos, sobre as meras sensações e opiniões. Estes trabalham com a ideia de qualidade acidental. Essas simples opiniões dão um trabalho intelectual aos interlocutores do Mestre, que vai maneando o diálogo até ao ponto em que o seu oponente se resigne de que não sabe nada.
A definição essencial permanece emaranhada e torna-se mais complicada quando Sócrates se depara com os “Mestres da Verdade” (aqueles que se julgavam sábios). Estes subtilmente ridicularizados por ele, no entendimento de que só a partir da perceção da ignorância é que a nossa alma se torna amena. A alma soberba significa o solo impróprio para a plantação e as sementes nunca nascerão ali.
Sócrates, aquela figura estranha, maltrapilha, feia, com andar altivo, com olhos interrogativos e senso de justiça incomum, tinha uma certeza primeira: de que nascera para incomodar os outros. Aludia essa característica ao seu daímon, o seu demónio interior que lhe ficava soprando aos ouvidos essa necessidade de investigar. Interessante, não?

O que é a Maiêutica?
“Arte de realizar um parto. A palavra maieeia significa parto, maieútria, parteira; o verbo maieúo significa realizar o parto auxiliando a parturiente. O maieutikós é o parteiro que conhece a arte ou técnica do parto. Platão criou a palavra maieutiké para referir-se do “Parto de Ideias” ou “Parto das Almas” realizado pelo método socrático. A mãe de Sócrates era parteira.” (Chauí, Marilena de Souza. Introdução à História da Filosofia. Volume 1. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 353)
Sócrates discorrerá no diálogo “Teeteto” de um facto muito curioso: entende que as parteiras já são predestinadas a não serem mães, na grande maioria das vezes. A parteira por si só ajuda, mas sem ter a experiência de parir. Com Sócrates, acontece o mesmo: por ser o “parteiro das almas”, fazendo assim despertar um saber, não pode nunca o proferir como algo que sai do seu interior. Ele não conceitua nada, apesar de saber as coisas através das ideias de essências. Ele sugere caminhos, e o fim do percurso leva o seu interlocutor a encontrar uma definição, sendo que em muitos casos os diálogos terminam em aporia, ou seja, não chegam a lado nenhum.
Sócrates observa que muitos têm as dores do parto, mas na verdade o que estão parindo é vento. Estes são aqueles que buscam definições que lhes sejam convenientes, sem se preocuparem com a verdade primeira (a essência das coisas). Um destes casos refere-se a Mênon, discípulo de Protágoras e sofista ferrenho. Mênon preocupa-se apenas com as coisas boas, esquecendo-se sempre dos ideais de Justiça, que para Sócrates só acontece a partir do momento em que conhecemos a razão como meio único de se atingir a verdade.
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