“Twelve Minutes”, videojogo lançado no passado dia 19 de agosto pela Annapurna Interactive, foi, durante largos anos, um dos jogos mais antecipados pelos entusiastas do desenvolvimento indie. O jogo foi primeiramente mostrado ainda numa versão conceptual na Penny Arcade Expo em 2015, e, entre outras conferências, na conceituada E3 de 2019, já numa versão aproximada à que viria a ser lançada em 2021, para Xbox e PC.
O desenvolvimento ficou a cargo do português Luís António, diretor do jogo e seu principal líder criativo. Com “Twelve Minutes”, o português comanda o seu primeiro videojogo depois de ter trabalhado como 3D Artist nos estúdios da Rockstar Games e da Ubisoft, antes de ter sido um dos principais responsáveis pelo design do mundo do jogo independente “The Witness“.
Retirando claras inspirações da narrativa cinematográfica, “Twelve Minutes” implementa alguns artifícios que, embora sejam pontualmente explorados pela sétima arte, no mundo dos videojogos não são tão instanciados, pelo menos explicitamente. O primeiro destes é o do “dia que se repete”, popularizado com o filme “O Feitiço do Tempo” (1993) e alvo de inúmeras readaptações ao longo dos anos. O segundo é o da narrativa numa só localização, com particular influência do filme “Janela Indiscreta” (1954), sobretudo na claustrofobia criada pelas diversas situações. Adicionalmente, é possível verificar homenagens subtis a filmes do género de thriller e terror, e o uso de momentos narrativos com estrutura não linear.

Em cada um dos vários ciclos (loops) do jogo que o jogador irá experienciar (cada um destes com uma duração em tempo real de cerca de 12 minutos), é possível controlar um protagonista (voz de James McAvoy) após este entrar no seu pequeno apartamento, onde vive com a sua esposa (voz de Daisy Ridley). O jogo está construído no estilo point and click, significando que o jogador pode usar um botão de interação para fazer a personagem movimentar-se, interagir com outras personagens, combinar objetos e efetuar diversas ações.
Este estilo de jogabilidade funciona ao mesmo tempo como uma homenagem a diversos clássicos gaming do final do século XX (como grande parte dos jogos da famosa Lucasfilm Games), mas também mantém “Twelve Minutes” como um jogo simples de ser experienciado, acessível a jogadores casuais ou servindo até como uma boa porta de entrada para quem não tenha por hábito experienciar videojogos.
Uma das curiosas características visuais do jogo é a utilização de uma câmara com visão de cima, embora este seja em três dimensões. É uma escolha que dificulta a observação das expressões faciais das personagens e, talvez por isso, dê maior protagonismo às brilhantes performances dos atores, não permitindo que os detalhes gráficos mais simplistas deixem o jogo cair no sempre indesejado uncanny valley. Adicionalmente, a perspetiva mais fixa cimenta a influência do estilo cinematográfico do jogo, além de permitir ter uma perspetiva integral sobre a divisão do apartamento em que o protagonista se encontra.

Para a maioria dos jogadores, na parte final do primeiro loop o protagonista e a sua mulher serão surpreendidos no seu apartamento por um homem desconhecido (voz de Willem Dafoe), uma figura que diz ser polícia com um mandato de captura, que acusa a mulher de assassinato e ao mesmo tempo procura um objeto que o protagonista inicialmente desconhece. Revelando intenções violentas, o estranho acabará por agredir ou matar o protagonista, iniciando-se um novo ciclo. Algumas iterações depois, é possível deduzir que o loop se irá repetir sempre que o protagonista morrer ou for ferido, mas também caso tente abandonar o seu apartamento.
A natureza repetitiva destes ciclos de poucos minutos está intimamente ligada com as funções que a jogabilidade pretende incentivar. A vivência do mesmo período (com diferentes variações) permitirá ao jogador aos poucos perceber as respostas às perguntas que são naturalmente criadas pelo primeiro ciclo, como por exemplo, quem é o estranho que invade a sua casa, o que é que este pretende e o que é que a sua mulher sabe sobre o assunto.
O grande mérito de “Twelve Minutes” é precisamente o facto de que a repetição é não só vantajosa como também necessária para avançar no jogo. Um contraponto pode ser feito com os mais recentes jogos da recente trilogia “Hitman“, que fomentam a repetibilidade das missões (por exemplo, para experimentar novos meios de assassinatos ou desbloquear novos gadgets), mas onde essa repetição não é essencial nem sequer reconhecida como parte integrante da história.
Embora a narrativa principal do jogo possa seguir um esqueleto algo linear, no sentido em que as descobertas que o jogador pode fazer em cada momento seguem uma lógica e uma estrutura algo rígida, é natural que o jogador sinta uma sensação de experiência personalizada, pois o caminho seguido para chegar às conclusões pode ser diferente para cada jogador.

Os únicos momentos que podem causar alguma frustração são aqueles em que o jogador se possa sentir mais bloqueado, sem saber qual o caminho necessário para efetuar uma nova descoberta e avançar na história, devido em grande parte à ausência de ajudas. Ainda assim, o jogo não penaliza o jogador por tentar soluções criativas, uma vez que, independentemente do que o jogador faça, um novo loop será posteriormente iniciado.
Outro fator que poderia causar algum transtorno seria a necessidade de ouvir diálogos repetidos, mas esta é colmatada pelos desenvolvedores, que adicionaram um botão de fast forwarding às conversas. Contudo, para permitir uma experimentação mais rápida poderia também haver a opção de acelerar interações com os objetos ou, por exemplo, de repetir rapidamente as ações feitas no loop anterior até um determinado ponto.
Usando diferentes opções de diálogo (que podem ser alteradas consoante o que o protagonista vai descobrindo), novos desafios vão sendo colocados e apenas solucionados quando combinadas interações entre itens do jogo e escolhas de diálogos. Por exemplo, quando o jogador percebe o que é que o estranho pretende obter, o próximo desafio será perceber o porquê. Da mesma forma, essas novas informações podem ser usadas para provar à esposa que o dia se está realmente a repetir e convencê-la da chegada iminente do inimigo.
O resultado é um slow burn que explode na secção final, com sucessivas surpresas e reviravoltas. “Twelve Minutes”, em poucas palavras, é um dos jogos mais criativos dos últimos tempos e, sem dúvida, uma das experiências artísticas de 2021.
Disponível em: XBox One, Xbox Series X|S, Windows
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