viva o rock brasileiro #2
Lado A
Cabeça Dinossauro
AA UU
Igreja
Polícia
Estado Violência
A Face do Destruidor
Porrada
Tô Cansado
Lado B
Bichos Escrotos
Família
Homem Primata
Dívidas
O Quê
Considerado por muitos o melhor disco do rock brasileiro dos anos 80 e de todos os tempos, “Cabeça Dinossauro” faz por merecer a pecha. O conjunto Titãs, formado por Arnaldo Antunes (voz), Branco Mello (voz), Charles Gavin (bateria e percussão), Tony Bellotto (guitarras), Marcelo Fromer (guitarras), Nando Reis (baixo e voz), Sérgio Britto (teclados e voz) e Paulo Miklos (baixo e voz) lançou o seu 3.º LP distanciando-se e muito das derrapadas dos dois primeiros. Consistência artística, repertório enxuto e direto, rock and roll na veia e performances ao vivo desconcertantes.
Lançado em 1986, com o Brasil a fazer a transição para a redemocratização, era chegada a hora de brados contra o fascismo autoritário e rigidez de costumes atacando a tríade Deus – Pátria – Família em canções que abordam os temas. Os Titãs vinham de um trauma, com a prisão por porte de drogas de dois dos seus integrantes, Arnaldo e Tony. O que era para consumo próprio foi visto pelas autoridades como se os sujeitos fossem os mais perigosos do país, uma repressão enorme ainda. Passaram pouquíssimo tempo na prisão e certamente ocorreu lá a inspiração para a pedrada intitulada Polícia:
“Dizem que ela existe pra ajudar
Dizem que ela existe pra proteger
Eu sei que ela pode te parar
Eu sei que ela pode te prender
Polícia para quem precisa
Polícia para quem precisa de polícia
Dizem pra você obedecer
Dizem pra você responder
Dizem pra você cooperar
Dizem pra você respeitar
Polícia para quem precisa
Polícia para quem precisa de polícia“
A canção Cabeça Dinossauro é enigmática para mim até hoje. Com a capa do álbum a mostrar um homem urrando, com uma cabeça grotesca na contracapa, os desenhos originais de Leonardo da Vinci no Museu do Louvre, ela é sentencial:
“Cabeça Dinossauro
Pança de mamute
Espírito de porco“

AA UU faz troça da rigidez militarista no que toca aos horários para levantar, dormir e comer, afirmando que tudo isso nos leva à loucura e Igreja foi a primeira manifestação ateia que ouvi e ruborizei, afinal dizer que não gosta de padre, nem de madre e nem de frei foi direto demais. Estende o desgosto para bispo, Cristo, vigário, presépio, missa das seis, terço, berço de Jesus, papa, milagre de Deus, religião.
Pancada que fez o menino de 12 anos ficar nocauteado: então uma música podia alardear essas blasfémias? O ritmo rock and roll na voz solo de Nando Reis (aliás, a letra é apenas dele) moldou o meu caráter. É que descobri com o passar do tempo que também não gostava dessas coisas. Viram como uma banda de rock pode corromper o caráter de um garoto?!
Bichos Escrotos foi proibida de tocar nas rádios pela censura devido a um retumbante e tonitruante “Vão se foder” no meio da música. Homem Primata fez-me ser reprovado na primeira pergunta filosófica feita por um vizinho mais velho, Arilson, que tinha por hábito ouvir Raul Seixas no volume máximo. Perguntou-me o que eu entendia por selva de pedra e o garoto ‘bobo’ do interior não conseguiu compreender que eram as grandes metrópoles com todas as suas dificuldades.
Lições aprendidas, encantei-me com a voz solo de Arnaldo em Porrada, e aliás a palavra não era considerada de bom tom pela minha austera tia. Ridicularização direta à indústria das condecorações e premiações, geralmente atribuídas a pessoas que não fazem nada. Segue o soco na letra de Arnaldo e Sérgio:
“Nota dez para as meninas da torcida adversária
Parabéns aos académicos da associação
Saudações para os formandos da cadeira de direito
A todas as senhoras muita consideração
Porrada
Nos caras que não fazem nada.
Medalhinhas para o presidente
Condecorações aos veteranos
Bonificações para os bancários
Congratulações para os banqueiros
Porrada
Nos caras que não fazem nada.
Distribuição de panfletos
Reivindicação dos direitos
Associação de pais e mestres
Proliferação das pestes
Porrada
Nos caras que não fazem nada.“
Dívidas é outro “atentado” à moral e aos bons costumes. A confissão de que se está falido e sem possibilidade de honrar os compromissos atenta contra a honra e a obrigação de se manter o “nome limpo na praça”. Chega a ser divertido. Família é todo aquele ritual de almoço e reunião de domingo, com choro de bebé, latido de cachorro e medos como o de baratas e ladrões. Observando a minha família a partir das minhas tias, percebi o quão chato são realmente os convívios.
Hoje, analisando em retrospetiva, observo o quanto este disco moldou o meu caráter. Crianças são influenciáveis e ainda bem que as minhas foram positivas e iconoclastas. Procurem no Google atuações ao vivo deste período e observarão performances interessantíssimas, com Arnaldo e Branco mais tresloucados que nunca, os saltos de Sérgio Britto e canções executadas com esmero e positividade.
Certamente “Cabeça Dinossauro” é o disco que mais ouvi na minha existência. Impressiona a atualidade das letras, o vigor das composições e o epíteto “revolucionário” cabe bem a estes oito rapazes talentosos que produziram uma verdadeira obra de arte, destas que permanecem com o tempo.

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3 thoughts on ““Cabeça Dinossauro”, Titãs: O melhor disco do rock Brasil”