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viva o rock brasileiro #19

O primeiro concerto, a gente nunca esquece. Aconteceu, em 31 de agosto de 1990, no Lafaiete Síder Clube, em Conselheiro Lafaiete, o espetáculo com a banda paulistana Titãs. À época, a melhor banda do rock nacional, sem sombra de dúvidas. Divulgando o último LP (bons tempos aqueles, existiam LPs e fitas cassetes, nada de CDs e DVDs, então, a onda era comprar o “bolachão”) “Õ Blesq Blom. Os Titãs possuíam seis LPs na sua carreira, mas os destaques foram o terceiro, “Cabeça Dinossauro” e o quarto, “Jesus não tem dentes no país dos banguelas“.

Quando ouvi “Cabeça Dinossauro” pela primeira vez, fiquei acachapado! Quando ouvi “Jesus…”, fiquei mais acachapado ainda! A banda era excelente, formada por cabeças pensantes e ainda reunida com os seus oito músicos. Eram eles: Sérgio Britto (teclados e voz), Paulo Miklos (voz), Arnaldo Antunes (voz), Branco Mello (voz), Nando Reis (baixo e voz), Charles Gavin (bateria), Toni Bellotto (guitarra) e Marcelo Fromer (guitarra). Era super fã, desses de ouvir e ler a letra, ficava a pensar sempre naquilo que os revolucionários queriam dizer. Pois o rótulo que cercava os Titãs na época era este: revolucionários. Oito excecionais músicos reunidos só podiam dar boa coisa.

Os Titãs no início da década de 1990

Não acreditei de imediato que teríamos o concerto dos Titãs em Conselheiro Lafaiete. Trabalhava num bar à época e certamente os fregueses mais assíduos incomodavam-se muito com a trilha sonora que eu lhes proporcionava. Era Titãs a tocar numa fita cassete num rádio gravador bem foleiro o dia todo.

Pagar o bilhete levaria praticamente a metade do salário que ganhava à época. Não daria para ir de jeito nenhum. Nesse dia, cheguei a ir à aula, foi numa sexta-feira, na Escola Estadual “Narciso de Queirós”. Liberaram-nos por falta de gente no colégio, entregue às moscas. Ia a voltar para casa e chateado por demais. Morava na casa da minha tia e quando estava a ver ao Jornal Nacional, deu-me um clique após assistir a uma propaganda na TV falando do concerto. Lembro que dei um pulo da poltrona, vesti qualquer coisa e saí a correr para a casa da minha patroa para pedir um vale.

Naquele momento, pensei: se não gasto esse dinheiro com o ingresso, gastarei certamente com remédio, pois ficarei doente de contrariedade. Da casa da minha ex-chefe (obrigado, ela concedeu o vale!) ao Síder era um pulo. Comprei o bilhete e dirigi-me para a arquibancada à esquerda de quem entra, o palco estava no fundo. O meu único arrependimento: estava com um pouco de medo daquele povo todo misturado. Fui sozinho e por isso entendi ser ali um lugar mais apropriado. Bem, agora era esperar pelo concerto e gritar muito. Saí rouco e louco! Para um garoto com pouco mais de 16 anos foi foda! Foi o presente de aniversário que eu concedi a mim mesmo.

Capa do álbum “Õ Blesq Blom”, o trabalho mais recente aquando do concerto em Conselheiro Lafaiete

Hoje, 31 anos depois, resolvi escrever este relato por um detalhe: já na época, um amigo, Alessandro, que tinha o apelido de Mosquito, havia gravado em VHS este concerto, com os bastidores e tudo. Vez ou outra ele emprestava-me este material, e quando passei a fita VHS para DVD, guardei-a e outro dia, numa rotineira faxina, achei-a depois de tanto tempo. Resolvi fazer uma cobertura jornalística 31 anos depois, mais até como registo de um período em que música era composta por melodia e letra. A setlist do concerto foi composta por 26 músicas, na seguinte ordem (entre parênteses a voz solo, já que os Titãs possuíam uma democracia de proporcionarem a cinco integrantes cantar solo):

Miséria (Paulo Miklos e Sérgio Britto)

Palavras e AA UU (Sérgio Britto)

Medo e Lugar Nenhum (Arnaldo Antunes)

Nomes aos bois, Igreja e Racio Símio (Nando Reis)

32 Dentes e Cabeça Dinossauro (Branco Mello)

O Pulso, O Quê e Comida (Arnaldo Antunes)

Corações e Mentes e Go Back (Sérgio Britto)

Marvin e Faculdade (Nando Reis)

O camelo e o dromedário, Diversão, Pavimentação e Bichos Escrotos (Paulo Miklos)

Tô cansado, Armas pra lutar e Flores (Branco Mello)

Porrada (Arnaldo Antunes)

Polícia (Sérgio Britto)

Simplesmente, um showzaço! Hoje, assistindo ao DVD, fico rememorando algumas coisas boas que haviam naquela época!

Atualizando a carreira dos Titãs, Arnaldo Antunes saiu da banda durante as gravações do álbum “Titanomaquia” (na qual o grupo tentou dar – e conseguiu –, uma levada mais grunge, num disco produzido por Jack Endino, que havia descoberto os Nirvana). Nando Reis saiu cuspindo cobras e escorpiões, brigando com toda a gente, mas fez uma importante carreira solo. Marcelo Fromer foi atropelado e morto por um motociclista em São Paulo e agora, mais recentemente, o baterista Charles Gavin também saiu. Paulo Miklos também saiu e os Titãs agora são três: Branco, Toni e Britto.

O meu fanatismo pelos Titãs foi arrefecendo aos poucos. Depois do “Acústico MTV”, senti que a banda deu uma guinada mais pop, gravando até com Roberto Carlos. Acompanhei de longe a carreira dos artistas, mas respeito a trajetória dos altos e baixos. Prefiro recordar a época de adolescência, ouvindo esses oito importantes músicos que tiveram uma influência muito importante no meu comportamento. O que mais me chamava a atenção à época e ainda hoje é a crítica contundente contra a sociedade fascista, ancorada na tríade “polícia-igreja-família” (não à toa, nome de três das suas mais importantes canções).

Marcelo Pereira Rodrigues

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