viva o rock brasileiro #17
Após dois álbuns fantásticos, “Cabeça Dinossauro” e “Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas” (já analisados aqui) e um ao vivo no festival de Montreux, na Suíça, “Go Back”, era dada a hora de um disco novo, e os oito Titãs se esmeraram para produzirem o seu 5.º trabalho de estúdio, “Õ Blesq Blom”, lançado em 1989. A setlist apresenta:
Introdução por Mauro e Quitéria
Miséria
Racio Símio
O Camelo e o Dromedário
Palavras
Medo
Natureza Morta (esta faixa foi veiculada apenas no formato CD)
Flores
O Pulso
32 dentes
Faculdade
Deus e o Diabo
Vinheta final por Mauro e Quitéria
A introdução e vinheta foram descobertas dos músicos com dois repentistas que viviam nas praias de Recife, capital da província Pernambuco, cantando em dialeto próprio e com ritmos nordestinos. Um dos músicos foi até a praia, gravou alguns daqueles sons e os dois populares chegaram inclusive a apresentarem-se em concertos dos músicos.
Miséria é uma canção tristemente atual no Brasil, O Camelo e o Dromedário cantada por Paulo Miklos enumera as diferenças entre os dois ruminantes, numa letra bastante interessante. Palavras são tudo aquilo que dizemos, sentimos e escrevemos, de um lirismo muito bonito e Arnaldo Antunes berra acerca dos medos que todos sentimos em Medo.

Flores tinha tudo para ser um hit. E foi. Numa letra esmerada e que aborda o suicídio, há flores em tudo o que eu vejo demonstra um defunto num caixão. Mas é em O Pulso que o estranhamento se dá na elencação de várias enfermidades, acrescidas de algumas doenças morais. Decorar esta letra era um exercício à época, e felizmente consegui narrar este corpo doente, tanto físico quanto social. Vai assim:
“O pulso ainda pulsa
O pulso ainda pulsa
Peste bubônica, câncer, pneumonia
Raiva, rubéola, tuberculose e anemia
Rancor, cisticercose, caxumba, difteria
Encefalite, faringite, gripe e leucemia
E o pulso ainda pulsa (pulso)
(Pulso)
O pulso ainda pulsa (pulso)
(Pulso)
Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia
Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia
Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria
Sífilis, ciúmes, asma, cleptomania
E o corpo ainda é pouco
O corpo ainda é pouco
Assim
Reumatismo, raquitismo, cistite, disritmia
Hérnia, pediculose, tétano, hipocrisia
Brucelose, febre tifoide, arteriosclerose, miopia
Catapora, culpa, cárie, cãibra, lepra, afasia
O pulso ainda pulsa
E o corpo ainda é pouco“

Faculdade e Deus e o Diabo são outras músicas destacadas, e no todo foi um disco muito tocado nas rádios, confirmando os Titãs como uma das melhores bandas do país, flertando também com a pop, chegando mesmo a serem elogiados pela celebridade musical à época, e que perdura até hoje, Caetano Veloso. Este foi um dos primeiros álbuns que comprei, e a ver a verdadeira obra de arte que foi a capa e contracapa, mais encarte e afins. Descreverei aqui a letra de Racio Símio, uma das faixas mais reflexivas e existenciais, um lado B e menos tocada pelo conjunto. Vai assim:
“O anão tem um carro com rodas gigantes
Dois elefantes incomodam muito mais
Só os mortos não reclamam
Os brutos também mamam
Mamãe eu quero mamar
Eu não tenho onde morar
Eu moro aonde não mora ninguém
Quem tem grana que dê a quem não tem
Racio símio, racio símio, racio símio, racio símio
Quem esporra sempre alcança
Com Maná adubando dá
Ninguém joga dominó sozinho
É dos carecas que elas gostam mais
A soma do quadrado dos catetos é o quadrado da hipotenusa
Nem tudo que se tem se usa
Racio símio, racio símio, racio símio, racio símio
Racio símio, racio símio, racio símio, racio símio
Os cavalheiros sabem jogar damas
Os prisioneiros podem jogar xadrez
Só os chatos não disfarçam
Os sonhos despedaçam
A razão é sempre do freguês
Eu não tenho onde morar
Moro aonde não mora ninguém
Quem come prego sabe o cu que tem
Racio símio, racio símio, racio símio, racio símio“
Na tribo da juventude, escolhi os Titãs como banda preferida e levava para o trabalho, como atendente numa tasca, uma fita K7 com os sucessos do grupo, para desespero da minha patroa e dos demais clientes. Coisas da juventude. Mal sabia eu que o grupo se apresentaria na minha cidade naquilo que seria o primeiro concerto da minha vida.
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