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Porque A Arte Somos Nós

António e o jornalista saem juntos. Diz o primeiro:
— Escrevi um artigo para ‘O Combate’, Chico. Gostaria de vê-lo publicado no próximo domingo.
— Claro. Meu jornaleco está precisando de sangue novo.
— Um artigo sobre problemas da cidade Caruaru.
— Ótimo. Ataca alguém?
— Mais ou menos.
— Gosto de coisas violentas. Já não tenho estímulo para escrever como antigamente. Hoje, ‘O Combate’ é apenas meio de vida. O que não impede que, de vez em quando, baixe o pau em alguém. Não admito safadezas.


“Terra de Caruaru”

Caruaru é uma cidade da província de Pernambuco, Nordeste do Brasil, que conta atualmente com 365 mil habitantes. No livro “Terra de Caruaru” (Editora Abril Cultural, 1984, 292 páginas), escrito por José Condé (1918-1971) entre março a julho de 1960, o prefácio informa-nos de uma população de 103.787 habitantes, sendo um dos mais populosos do Estado. Porém, nesta ficção, o brilhante autor retorna ao tempo para narrar a fundação do vilarejo, com os habitantes e estabelecimentos inerentes a toda vila.

Mesmo sendo uma cidade de poucos recursos, a mando de coronéis (chefes políticos e não graduação militar), Caruaru contava com a tradicional igreja, praça, prefeitura, pastelaria, delegacia e feiras livres aos finais de semana. Possuía um jornal (como citado acima) e até um cinema. Recebiam vez ou outra trupes artísticas. Os moradores mais abastados já desejavam inaugurar um salão de bailes.

Os personagens são tantos que o romance se torna polifónico. E isso é bom. Como se fossemos convidados a participarmos das conversas, das tratativas e inconfidências. Ao final, sobressaem-se alguns desenvolvidos com tintas fortes: o dono da cidade Ariosto Ribas, ordinário até não mais poder, destes que furam o olho do passarinho só para ver o bichinho sofrer. Chico Lima, o jornalista, é um inconformado com os desmandos da cidade e compra briga feia.

O jornalista e escritor brasileiro, natural de Caruaru, José Ferreira Condé

Durante a narrativa, sofre três atentados: o seu jornal é brindado com fezes durante uma madrugada; ele mesmo recebe uma saraivada de tiros que por pouco não o vitima e tem a sua empresa quebrada, literalmente, por capangas de Ariosto. Eulina é a noiva abandonada que há dez anos vem, de modo maníaco, limpando a casa aos sábados à espera do seu amado. Dr. Taveira é o juiz casado com uma mulher rabugenta e irascível. Reinado é o engenheiro que tem como hobbie a caçada e a pesca. Casado com Noémia, que é tida por despudorada pelos seus hábitos pouco recatados.

Teixeirinha é o tabelião fofoqueiro que toma conta da vida de toda gente. Casado com um caco de mulher, ajeita a casa para uma artista decadente que veio excursionar na vila. José Bispo é um foragido que se vingou de uma surra encomendada pelo pai de Ariosto e, após ficar amofinado em casa com vergonha, tomou coragem e descarregou os projeteis no corpo do facínora. Refugia-se no sertão virando assaltante. O velho José Teixeira, meio caduco, já está na prorrogação da vida e não vê com entusiasmo o progresso da cidade. Quer mais é ficar na sua herdade, fincado à terra como os pés de umbuzeiros.

Como escrevi acima, é como se participássemos de toda esta novela com as suas inconfidências. Os diálogos são ágeis e a forma narrativa bastante atraente. Serve-nos para conhecer um pouco mais o Nordeste brasileiro e o seu passado, se bem que este cenário, acreditem, ainda pode ser observado em algumas vilas brasileiras, atrasadas não apenas no que diz respeito ao progresso, como se assemelham a esta viagem ao passado que formou pessoas bravas e corajosas.

Um deleite a leitura deste romance. O primeiro livro que li do autor. Conquistou-me.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3.5 out of 4.

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