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Porque A Arte Somos Nós

“Já contei que, aos quinze anos de idade, tirei o pau para fora das calças e toquei uma punheta num ónibus da linha 107, vindo de Nova Iorque?”

“O Complexo de Portnoy” (Companhia de Bolso, 237 p.) de Philip Roth é um destes livros que vieram para incomodar. Publicado em 1969 nos Estados Unidos, o romance chocou pela temática abusiva de contar as aventuras masturbatórias do seu protagonista. Tudo é relatado nas sessões de terapia que Alexander Portnoy faz e, despido de todo pudor, tenta investigar as razões de se sentir um frustrado, ainda para mais sendo um judeu de nariz grande vivendo e convivendo com a sua comunidade judaica num subúrbio de Nova Iorque.

Pronto, o drama está posto. Roth foi logo atacado por “desmerecer” a sua comunidade, por criar uma obra pornográfica e que atentava à moral e aos bons costumes. O autor certamente riu dessa repercussão toda, ainda para mais quando percebeu o alcance que o livro teve incensado pela crítica e pelo público.

Todos nós adolescentes já aprontamos poucas e boas com a revelação de que as hormonas dentro de nós querem saltar para fora. Ao ler este livro, senti-me perdoado, pois as minhas taras na adolescência não chegaram a tanto, sendo que o mais atrevido que consegui foi “foder um travesseiro” (mas a experiência não foi nada boa, meu pénis pequeno saiu todo sujo de plumas).

Portnoy masturba-se trancado na casa de banho, com as calcinhas da sua irmã pendurada no nariz. Segundo a confissão, o jato de esperma é tão intenso, forte e rápido que atinge a luminária, e vive sob pressão dos pais que não entendendo o porquê de o filho se trancar a toda hora, ficam a esmurrar a porta. Certamente Sigmund Freud tinha uma explicação para o facto de todo o adolescente desejar preencher qualquer buraco; a constatação triste, nojenta e surreal é ver Portnoy confessar, cito:

Creio que já confessei que comprei um fígado num açougue e o curei atrás de uma placa de anúncio a caminho do curso de preparação para o bar mitzvah. É, quero fazer a confissão completa, Vossa Santidade. Aquela… aquele fígado não foi o primeiro. O primeiro, eu o comi na privacidade da minha própria casa, enrolado em meu pau, dentro do banheiro, às três e meia – e depois o comi, espetado no garfo, às cinco e meia – junto com os outros membros da minha pobre e inocente família. Pronto. Agora o senhor já sabe qual foi a pior coisa que fiz na vida. Fodi o jantar da minha própria família“.

Esta obra não trata só de ejaculações. No divã do psicanalista, o protagonista reclama da sua namorada, solenemente chamada de “Macaca”, porque se quer casar e ter um filho – está com 29 anos e joga isso na sua cara – pois onde se viu uma mulher que chega aos 30 sem se casar? Mas Portnoy responde que ela vá para a p*** que o pariu vender as suas frustrações e neuroses a um outro idiota que não fosse ele, ainda para mais que ela reclamava dos pedidos pervertidos do namorado, que era outra persona quando se apresentava num programa de TV educativa.

Philip Roth

Portnoy ataca os góis (que é como os judeus se referem aos gentios e cristãos), aludindo à baboseira do presépio do Menino Jesus, mas que fique bastante claro, ele não é proselitista ao defender a sua raça. No cerne, esse menino é bastante perturbado, afinal, o que se pode esperar de uma criança que relembra as investidas da mãe que o perseguia com uma faca quando o miúdo tinha sete anos? E ao se lembrar do pai com o intestino preso, que ficava uma hora e meia no banheiro na tentativa de evacuar, impossibilitando o filho assim de tocar mais uma punheta?

Tamanha irreverência poderia apontar para um futuro breve do romancista. Mas, qual nada! O tempo deu-lhe consistência e demonstrou ser Philip Roth um dos cânones da literatura universal, com obras profundas como “Pastoral Americana” (já tratei aqui de uma crítica ao filme), “Casei Com Um Comunista“, “A Marca Humana” e outros. Falecido aos 85 anos em 2018, o autor concedeu uma brilhante entrevista (a sua última) no retiro de sua casa em Warren, Connecticut, vivendo isolado e em paz consigo mesmo, pois aposentara-se do ofício de escritor. Mas um escritor consegue findar o seu ofício ainda em vida?

Sim, ainda mais que nos seus mais de 30 livros já constava muitas de suas inquietações, reflexões, filosofias e o jeito peculiar de contar histórias, demonstrando todas as mazelas do ser humano. Premiado com o Pulitzer por “Pastoral Americana“, em 1997, recebeu a National Medal of Arts na Casa Branca, com o American Academy of Arts and Letters, a Gold Medal in Fiction.

Recebeu duas vezes o National Book Award, o PEN/Faulkner e o National Book Critics Circle Award. Recebeu a National Humanities Medal também na Casa Branca e foi vencedor do Man Booker International Prize. Vencedor do Prémio Príncipe das Astúrias em 2013 e recebeu a Medalha de Honra da Legião Francesa. Não recebeu o Nobel, mas a ver a sua qualidade e projeção, é caso para afirmarmos: “azar do Nobel”.

Sobre “O Complexo de Portnoy”, Philip Roth referiu-se assim numa entrevista à Revista Época do Brasil:

Muita gente disse que eu tinha inventado a masturbação! Quanto à consagração, a vida e a atividade literária confundem-se. Para mim, escrever foi sempre a prioridade. Foi um caminho natural, de juventude, amadurecimento e velhice. Talvez o mundo tenha ficado mais parecido comigo. Hoje, ninguém precisa de ler os meus livros atrás de nenhuma técnica sexual! (risos)“.

Marcelo Pereira Rodrigues

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