“Tesla” (2020) é uma produção intrigante e ousada. Oscila quase tanto como uma sucessão de relâmpagos, mas no final consegue equilibrar as contas da emoção. Num primeiro momento mais sério não resulta tão bem, pois convida a um certo distanciamento do espectador, muito por culpa do cariz documental que transparece. No entanto, a partir da (necessária) contextualização, e sobretudo quando o título do filme se justifica com o protagonismo individual em cena, o argumento amplifica-se.
O filme é um misto de intelectualidade e obscuridade, que analisadas de um ponto de vista totalmente intencional por parte do realizador e argumentista Michael Almereyda, gera uma certa devoção à criatividade como esta narrativa está estruturalmente organizada. Porque não se trata simplesmente da história de vida de Nikola Tesla (Ethan Hawke): o que aqui nos é presenteado é um enredo amplo, aberto, repleto de conexões, subtexto e, diga-se, certos toques de background pessoal.
A Nocturne 1 in B Flat Minor, Op. 9 do mestre Chopin, ouvida felizmente vezes sem conta ao longo do processo cinematográfico, é um regalo infinito, com o enquadramento devido com a multiplicidade da personagem principal, sempre subjugada a uma imensidão de pensamentos. A mente de Tesla é explorada de uma maneira única, fazendo lembrar um pouco a forma como “À Porta da Eternidade” (2018) foi capaz de construir, em medida ligeiramente diferente, a personagem de Vincent Van Gogh, sobretudo pela prevalência do que é mostrado e não dito.

A poesia de “Tesla” é o que melhor se retira da experiência fílmica, muito ao estilo daquilo que é uma interpretação brilhante, mais uma, de Ethan Hawke, ator que parece muitas vezes amplificar a qualidade das películas só com a sua mera presença. O filme funciona bem apesar de variar incessantemente o tom, em certos momentos, nunca se solidificando na sua essência, e essa inconstância dramática é uma das críticas mais ferozes que se pode fazer.
Todavia, esse “espetáculo relâmpago” em ritmo proporciona uma descontextualização minimamente poética, um pouco como uma metáfora da mente de Nikola. A relação que ele estabelece com Anne Morgan (Eve Hewson) é num primeiro momento confusa, num segundo mágica e num terceiro nostálgica. Por conseguir passar por estes estágios todos, resta-me enaltecer a sua complexidade e importância fundamental na narrativa para abrir a mente — e coração — de Tesla.
Além disso, os momentos de real interesse da narrativa penso que fogem um pouco de quando Thomas Edison (Kyle MacLachlan) entra em cena, sobretudo porque é uma personagem pouco interessante e pouco relevante na história, apesar de gerar o primeiro grande conflito interior de Nikola, espoletando um desejo obscuro de ser capaz de “vencer” aquele que era, no começo, o grande empreendedor do mundo.

Sendo audaz, é portanto (positivamente) cauteloso na maneira como diz adeus ao brilhantismo, por vezes inconsciente, de Tesla. Esta produção conta com uma banda sonora belíssima, com um argumento bastante interessante e edificante e, claro, com uma cinematografia que até nem é o seu forte, algo compreensível pela força dos cenários mais escuros e sombrios.
Apesar do seu arranque a meio gás, a película não perdeu o norte artístico e foi em busca de nos levar por caminhos bastante interessantes, cinematograficamente falando. É um convite autêntico e desprovido de efeitos para uma viagem atribulada, mas com sentido.
Pela dificuldade em assentar dramaticamente, este filme perde algo, mas também se assume como uma película forte, completa e diferente. Um filme com imensos méritos, onde a sua estrutura podia ser mais exigente, o que não elimina todo o seu brilho cinematográfico.
Uma experiência rica, luminosa e, acima de tudo, geradora de satisfação.
“É um paradoxo, mas a verdade é que quanto mais aprendemos mais ignorantes nos tornamos no sentido absoluto”
Nikola Tesla