Durante a sua fala no Fórum das Letras de Ouro Preto, Brasil, há uns 8 anos, o poeta e filósofo (e se fosse enumerar aqui, encontraria tantas e tantas definições tal um Leonardo da Vinci), pois bem, o filósofo Affonso Romano de Sant’Anna discorreu sobre um amigo seu professor de Filosofia.
Disse Affonso: “Esse meu amigo teve contato com a Filosofia através de um professor do Ensino Médio, que chegou alertando: ‘Filosofia serve para nada’. Depois de certo estupor da classe, o professor retomou: ‘Agora eu vou dar uma explicação sobre o que é o nada’. E aí, em cinquenta minutos, ele discorreu sobre Platão e Aristóteles, Descartes, Hegel, Schopenhauer, e ao final da aula, seu amigo chegou à seguinte conclusão: ‘Já sei o que eu vou ser quando crescer: serei professor de nada’. E ele hoje é um professor de Filosofia“.

Soma-se este depoimento com a classe e elegância de Affonso, seu carisma, e seu jeito engraçado de contar casos. Essa foi uma deixa para que muitos presentes na sua apresentação ficassem com “a pulga atrás da orelha”.
Como filósofo, coaduno do mesmo pensamento: Filosofia não serve para nada. Isso porque todas as demais Ciências e outras doutrinas tentam responder às inquietações mais íntimas do ser humano com soluções de almanaque e frases feitas que não passam de placebo às nossas dúvidas. O mais interessante na Filosofia (falo aqui da filosofia grega de 2500 anos, a dita filosofia ocidental) é que ela vai permeando a nossa linha de pensamento através dos séculos.
Vivemos hoje no melhor dos mundos, pois temos ao nosso dispor mais de dois milénios de investigações e inquietações filosóficas. Nossa época moderna (ou pós-moderna, como querem muitos), está apoiada em ombros de gigantes. Quem são estes gigantes? Irei aludir a alguns, pois o espaço deste texto é limitado: Sócrates e a sua pedagogia do pensamento; Aristóteles e sua classificação científica e comportamental, abordando desde o tema do riso ao tema da retórica, atravessando o discurso da arte; Santo Agostinho e a sua preocupação com a natureza humana voltada para o mal; Tomás de Aquino e a busca racional para a existência de Deus (sim, o mesmo Tomás, Doutor da Igreja).

Continuamos com René Descartes e o seu cogito existencial; Baruc Spinoza e o seu conceito de liberdade individual; Immanuel Kant e a sua ética normativa; Fichte (meu companheiro de tese científica, pois estudei este alemão a fundo) e o seu conceito de ação; Hegel e sua metafísica trina; Kierkegaard e o seu conceito de angústia existencial; Friedrich Nietzsche e a sua transvaloração de todos os valores; Jean-Paul Sartre e Albert Camus (mais dois “amigos” que fiz durante minha formação, pela lógica crucial de escolha e liberdade); Derrida e Deleuze, por seus processos de desconstrução etc. etc. etc.
A Filosofia é uma viagem emocionante. Quem nela entra não sai a mesma pessoa. Agora, esse “nada” nos serve para muitas coisas: podemos parecer bobos aos olhos da maioria, mas podem ter certeza: não conseguem nos vender produtos, discursos e certezas. Afinal, filósofo pode ter cara de bobo, parecer um bobo, mas podem ter certeza, não é bobo. E devo salientar que pseudo-filósofos existem aos montes, enquanto autênticos filósofos, aqueles que nos fazem refletir verdadeiramente, são poucos. Affonso é um destes sábios doutos que com sua simplicidade e magia, nos convence a refletir sobre as coisas mesmas, “a vida como ela é…”.