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Porque A Arte Somos Nós

Critiquei como incompreensível o princípio da honra, segundo o qual um homem perde a sua honra quando recebe uma ofensa, a menos que responda com outra ofensa maior ou a lave com sangue, seja do adversário, seja de si mesmo. Aleguei como motivo para isso que a verdadeira honra não pode ser ofendida por algo que alguém sofra, e sim apenas por aquilo que faça, pois a qualquer um de nós pode suceder qualquer coisa.

O adversário atacou diretamente o fundamento da minha afirmação: mostrou, de modo evidente, que, quando um comerciante é falsamente acusado de enganar, de cometer ilegalidades ou de ser negligente no seu negócio, sofre um ataque em sua honra por algo que lhe acontece, e pode recuperar a honra fazendo com que o caluniador seja castigado ou desminta a acusação.

O livro “Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão”, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) é um deleite. Publicado no Brasil pela Editora TopBooks, o livro de 258 páginas tem introdução, notas e comentários feitos por Olavo de Carvalho, ideólogo do governo de Jair Bolsonaro e um controvertido pensador. Mas vamos aos bastidores desta obra do filósofo alemão? Trata-se de texto mais popular e palatável, diferentemente do seu grande tratado de filosofia “O Mundo como Vontade e Representação“. A figura de Schopenhauer era complicada.

Desentendia-se muito facilmente com os seus adversários no campo das ideias e atuou como uma mosca tentando incomodar a “vaca” Hegel, o grande filósofo alemão à época e que era o ‘queridinho’ do Estado, da universidade e de todos. Schopenhauer tinha motivos para ficar amargurado, ressentido, e a despeito do grande filósofo que também foi, o certo é que sempre ficou à sombra do autor de “A Fenomenologia do Espírito“.

Hegel

Em “Como Vencer um Debate…”, o autor aponta 38 estratagemas para tirar o foco e a atenção do seu adversário e tentar atingi-lo nos seus pontos fracos. A obra como um todo tem uma característica provocadora, e esqueçam aqui a ponderação filosófica, equilíbrio e bom senso. Os ensinamentos aqui dizem respeito ao leitor derrotar o seu debatedor no seu próprio campo de acordo com as armas que este lhe oferece. Divertido de se ler, parece que a humanidade atualmente, mesmo sem se dar conta disso, pratica estas premissas a contento.

Imaginem uma discussão numa rede social e lá um indivíduo expressa uma opinião política, ou clubista, ou defendendo determinado ponto de vista. Na seção de comentários, aparecerá sempre alguém contrapondo o enunciado. São nessas alturas que fico a pensar: se o debatedor pensa de forma diferente do enunciado, porque não escreve ele a sua posição na sua timeline? Mas não, ele fará questão de opinar, mesmo que não tenha sido chamado a isso. De início educada, a contenda pode se transformar numa baixaria com agressões verbais e a coisa fica despropositada.

Imaginem outra cena: o editor do Barrete é adepto do FC Porto. Eu simpatizo com o Benfica. Não teria sentido algum nós nos indispormos por camisolas de clubes. Ele poderá tentar me convencer que o Porto é o Campeão da Champions League, que tem um lindo estádio, o do Dragão, e que o símbolo do seu clube é poderoso, pois solta fogo pelas ventas.

Só para o provocar, eu poderia afirmar que o Benfica apresentou Portugal ao mundo na segunda metade do século passado, que tem o lindo estádio da Luz e que possui o maior número de adeptos, inclusive um símbolo palpável que são as águias Luz e Vitória que habitam o lugar. Debocharia do seu dragão e a partir daí podem ter certeza que, se estivéssemos próxmimos, chegaríamos às vias de facto.

O escritor Marcelo Pereira Rodrigues no Estádio da Luz, em Lisboa

Provoca-se a cólera do adversário, para que, na sua fúria, ele não seja capaz de raciocinar corretamente e perceber a sua própria vantagem. Podemos incitar a sua cólera fazendo-lhe algo francamente injusto, vexando-o e, sobretudo, tratando-o com insolência.

Recentemente, assisti a um debate e fiquei surpreso com a minha perceção acerca deste confronto: um contundente jornalista brasileiro radicado em Itália, Diogo Mainardi, acusou o ex-candidato do Partido dos Trabalhadores Fernando Haddad de ser um “poste de ladrão”, referindo-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ataque foi frontal, duro, ferino. Não votei em Haddad e não sou entusiasta dos governos PT.

Mas chamou-me a atenção a educação com a qual o político enfrentou a situação, afirmando ser o debatedor um indivíduo problemático, psicologicamente falando. Refleti o óbvio: Mainardi quis levar o debatedor para a sua arena, mas este, inteligentemente, não foi. Não estou a discutir os méritos, apenas as abordagens.

Se percebermos que o adversário nos acossa com uma prova contrária à nossa, com frequência poderemos nos salvar mediante alguma distinção subtil, na qual não havíamos pensado anteriormente, caso a questão admita algum tipo de dupla interpretação ou dois casos diferentes.

Arthur Schopenhauer

Confesso que moldei o meu espírito debatedor lendo este livro. Muitas das vezes, recorro ao mesmo. A dica que fica é para não perdermos a razão numa conversa acirrada. Devemos saber defender os nossos argumentos e tentar ser o mais frio possível, fora do alcance das emoções. A vida como um todo é um enfrentamento diário onde opiniões pipocam a todo instante e o certo é sabermos ficar com a nossa, respeitando as demais. Mas, se quiserem praticar com um desavisado amigo que ainda não leu este livro e nem sabe quem foi Schopenhauer, sugiro brincarem com este “manual de maldade” que ultrapassa em muito “O Príncipe“, de Maquiavel.

Espero que tenham gostado deste texto. Se não, afirmo que são feios, gordos e bobos.

Se, diante de um argumento, o adversário inesperadamente fica zangado, devemos utilizar assiduamente esse argumento; não apenas porque é bom deixá-lo irado, mas também porque presumimos que a esta altura tocamos o lado mais fraco do seu raciocínio, e que o adversário, neste ponto, já não consegue tirar das nossas mãos o domínio da situação.

Marcelo Pereira Rodrigues

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