Antes de começar a minha análise a este documentário, acho importante frisar que tenho pouco background sobre Christopher George Latore Wallace, artisticamente conhecido por Notorious B.I.G., algo que por um lado acho bastante positivo tendo em conta esta visualização, pois posso começar do zero a minha descoberta pela carreira deste artista, e ao mesmo tempo refletir sobre este filme de modo completamente imparcial. Como já devem ter percebido, “Biggie: I Got a Story to Tell” aborda o percurso artístico e pessoal de Notorious B.I.G. durante os 24 anos em que este habitou o planeta.
Estes desafios necessitam sempre de alguma mestria, algo que ficou à responsabilidade de Emmett Malloy, realizador com larga experiência no mundo da música, e Sam Sweet, argumentista que tem um papel de peso em como contar a trágica e curta história de um dos nomes mais importantes na história do hip-hop. Para nos guiar ao longo desta narrativa temos quase todos os agentes presentes na vida de Notorious, que vão desde a sua mãe à sua avó, passando pela viúva Faith Evans, pelo músico e ator Sean ‘Diddy’ Combs, pelos seus amigos de infância, tudo isto “colado” com imagens de arquivo de Christopher (como sempre foi tratado pela sua mãe).
O documentário inicia-se com a notícia da morte de B.I.G., numa fatídica madrugada a 9 de março de 1997. Ainda hoje não se sabe quem assassinou a jovem lenda do hip-hop, mas a verdade é que o seu funeral foi visto como uma “comemoração” em vez de um luto pesado e depressivo. A tristeza era um sentimento por demais evidente, contudo percebemos que as pessoas preferiram evocar a força do seu legado musical, celebrando-o nas ruas, ao invés de simplesmente lamentar a sua perda. Uma abordagem interessante à morte, um pouco à semelhança do que depois chegou a acontecer com Michael Jackson. Após começar pelo fim, o documentário empreende a sua causa.

Christopher George Latore Wallace nasceu a 21 de maio de 1972 em Brooklyn, Nova Iorque, filho de uma mãe professora e com educação, e de um pai que nunca conheceu. Desde cedo teve contacto com a música, mais precisamente com o R&B e com o country que a sua mãe tanto gosta, um hábito que trouxe do seu país natal, a Jamaica. Primeiramente conhecido como Biggie Smalls, Christopher sempre se destacou pela sua facilidade em improvisar frases e rimas, um atributo de peso para quem quer entrar no mundo do hip-hop. Todavia, não podemos deixar de referir a influência que o mundo à sua volta teve no crescimento do homem e do artista.
Antes de Christopher ganhar protagonismo em cima do palco, este viu-se “obrigado” a ganhar a vida a vender droga nas ruas e no bairro. Ao início era apenas marijuana, mas depressa escalou para o crack, onde as margens de lucro eram bastante superiores. O filme é direto e abrangente quanto a esta fase da sua vida, com bastantes pontos de vista, desde amigos de longa data até ao próprio Notorious, numa entrevista que nos vai acompanhando ao longo do documentário numa espécie de auto-avaliação. Na verdade, a certa altura o filme foca-se demasiado neste lado mais “negro” da vida do rapper, voltando ao tema quando supostamente a narrativa já seguia outro rumo.
É muito importante cativar o público, como B.I.G. bem sabia fazer, e ” Biggie: I Got a Story to Tell” parece nem sempre ir ao encontro dessa premissa. O peso do seu passado refletiu-se em todo o seu trabalho, tal como acontece com muitos artistas, principalmente com esta vaga de “hip-hop das ruas”. Paralelamente a estes problemas, a comunidade onde Christopher estava inserido tinha bastantes desavenças com outros bairros, mais concretamente devido aos interesses nos negócios de venda de droga. Por este estar no meio, perdeu amigos e acabou por ser um “soldado” através das palavras.

Graças a muitas gravações caseiras vamos conseguindo decifrar o homem por detrás do poeta. Bastidores de concertos, hotéis, viagens, intimidade. Notorious B.I.G. era capaz de oferecer ao seu público um espetáculo cheio de energia, do início do fim. Prova disso são os arquivos desses momentos, contudo, pecam por serem um pouco escassos. Tendo em conta a curta carreira do artista, não se poderia pedir muito mais, mas em proporção à história aqui contada, acredito que os fãs esperavam ver mais. Como “novo adepto”, parece-me também insuficiente. Estou convicto que esta obra pretende propositadamente explorar mais a vida pessoal de Christopher, e o que o levou a transformar-se em Notorious B.I.G..
Tentando ir seguir essa linha narrativa, o filme vê a sua história ficar por vezes confusa, voltando a temas que já haviam sido abordados, ao invés de explorar um pouco mais certas curiosidades e momentos da carreira artística do rapper. Não que peque propriamente por falta de conteúdo, mas talvez não fosse preciso tanto tempo para explorar a fundo a vida mais problemática de Notorious, pois não é preciso ser um génio para se entender as más decisões do jovem adulto nascido em Brooklyn. Mais à frente, após a edição do seu álbum “Ready to Die”, em 1994, que espelha a forma de Christopher encarar a vida, a fama encarrega-se de fazer das suas.
As roupas, os anéis, os relógios, os diamantes. A transformação dera-se. Diddy foi essencial para toda esta mudança, pois foi ele que fez um ultimato ao rapper obrigando-o a decidir entre as drogas ou a música. A escolha foi óbvia, e tal como a mãe de B.I.G. afirma: “Deixei de me preocupar com ele. Finalmente estava a fazer algo com a sua vida“. Algo que não apaga o facto da sua mãe só ter ouvido uma única vez o trabalho do seu filho, pois este dizia-lhe que esta não era música para os seus ouvidos. Outra memória engraçada é quando a mãe de Christopher deita a droga do filho ao lixo, a pensar que eram vegetais estragados. A inocência…
“Era apenas um sonho”
Notorious B.I.G.
Notorious tornara-se mais paternal, tinha a ambição de se tornar empreendedor, criar uma editora discográfica, fazer mais e mais dinheiro. Acima de tudo, B.I.G. queria cuidar dos seus. A sua postura era calma e relaxada, mas a sua presença enchia qualquer espaço. Nessa vertente, “Biggie…” procura preencher todas as declarações com provas visuais, levando quase à exaustão as gravações existentes. Graças a isso, o espectador consegue entrar na privacidade do artista, criando uma maior empatia com o mesmo.
Já com o seu segundo álbum editado, “Life After Death” (1997), e tendo sido de novo pai, o seu ex-amigo Tupac Shakur foi assassinado. Devido às tensões entre o West Side e o East Side, algumas das culpas recaíram sobre Notorious B.I.G., rumores que este nunca quis alimentar. O filme não explora a fundo estas rivalidades urbanas, uma decisão inteligente de forma a não fugir ao tema principal, mas por outro lado pode deixar muita gente no meio do nevoeiro. Eu fui uma delas, mas não me importo. Mesmo não sendo claro, a verdade é que o fim do jovem rapper foi o mesmo. Muitos defendem retaliações, mas mais uma vez, e bem, o filme não procura alimentar essa discussão.
Em suma, “Biggie: I Got a Story to Tell” consegue traçar um perfil bastante completo de Notorious B.I.G., pois para quem conhece muito pouco o artista, este documentário pode muito bem ser um bom ponto de partida. As suas fontes são credíveis e próximas, oferecendo assim uma maior intimidade para com a obra. Percebemos que o artista era uma natural extensão do homem, sendo a arte a salvação. Notorious inspirou e continua a inspirar gerações de artistas, mesmo sendo curta a sua carreira. Não sendo uma narrativa perfeita, o arquivo utilizado motiva o espetador a querer saber mais e consegue dar força à mensagem da história, que foi sempre a de elevar a vida de Notorious B.I.G..
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