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Porque A Arte Somos Nós

A arte é uma miríade de várias possibilidades. Sendo assim, da confiança que tenho para ler e avaliar livros, filmes e outras, na visita a museus o estranhamento inicial (certamente devido às poucas atrações na minha região no Brasil) foi sendo vencido aos poucos. Ir a museus e contemplar. Exercício estético e de gosto. Envolvermo-nos com a apreciação e aos poucos tentar captar a essência daquilo que nos é apresentado – como viria a acontecer com Vénus.

O tempo e as possibilidades nos grandes museus de Belas Artes criaram em mim este gosto, e das impressões que ficam aquele sentimento de querer saber mais, estudar mais, rememorar mais, e quando a peça é valiosa demais, ser sabedor de que sim, agora posso morrer, pois vi a beleza em todo o seu esplendor e se o céu existe à face da Terra, certamente ele fica em Paris, mais precisamente no Museu do Louvre.

Dentre tantas atrações, às quais espero reportar periodicamente no Barrete e na Revista Conhece-te, aprendendo a cada dia e elaborando textos melhores, deixo jorrar a emoção ao me deparar com uma mulher de dois metros e 11 centímetros, com os seus 900 quilos: A Vénus de Milo. Nada mais natural do que o pequeno cerco em que se encontra, câmaras e mais câmaras fotográficas aparecem para fazerem os registos. Mas porquê esse fetiche todo? Embasbacado após me deparar com tamanha beleza, passei a estudar a obra-prima.

A estátua Vénus de Milo é uma das obras mais fotografadas no Museu do Louvre, em Paris

Descoberta por um camponês na ilha grega de Milos, no arquipélago de Cíclades em 1820, a estátua foi alvo de muita controvérsia. Primeiro, acerca do escultor e alusivo a que época pertenceria. Padronizada como uma obra do período clássico grego, mas com uma assinatura na sua base que remetia a um período um pouco posterior. Tinham que chegar a um consenso e assim o fizeram: simplesmente rasparam a assinatura e ficando o dito pelo não dito, atribuíram a Vénus, a Deusa do Amor, a representação. Ou Afrodite, na nomenclatura grega. Importante ressaltar que com a dominação do Império Romano nas ilhas gregas ocorreu uma adaptação dos nomes, mas são a mesma coisa.

À época da descoberta, as ilhas gregas faziam parte do Império Otomano e coube ao embaixador francês Marquês de Rivière (1765-1828) fazer a negociação para levar a estátua para França. Dizem que pagou uns meros 750 francos numa jornada digna de um filme de ação, com direito a saída do porto resguardada com navios e canhões apontados, mas feitos os esclarecimentos, lá se foi a Vénus de Milo “curtir” o que existe de melhor no mundo, Paris.

Aqui cabe uma brincadeira: dizem que se um quadro qualquer for roubado do Louvre, isso pouco representaria à beira de todas as obras de arte que a França já furtou pelo mundo todo. Não compactuo com isso, apenas entendo que tudo o que existe de melhor no mundo tem direito a estar na região central de Paris, no Louvre. Aos administradores, contratem-me como embaixador.

Ofertada ao rei Luís XVIII, que reinou de 1814 a 1824, este logo cedeu a beldade ao Museu do Louvre. Ela entra no grande salão em 1821. Talvez muitos não saibam, mas as estátuas do período clássico (e essa foi datada de aproximadamente 100 a. C.) eram adornadas e acreditem, pintadas. Há vestígios de tintas na mármore e acreditem, muitas destas estátuas não eram compactas, e sim foram criadas em partes, ocorrendo o ajuntamento no arranjo final.

Vénus de Milo

Da Deusa que ali está, percebemos que os lóbulos das orelhas estão quebrados, certamente retiraram dali os metais para vender, e ao estudar a posteriori, pois de baixo não dá para se acercar deste detalhe, foi-lhe retirada uma tiara de metal. Os pontos na cabeça e um sulco indicam isso. A falta de braços, sendo do lado direito um tronco e do lado esquerdo uma ausência total, marcam esta obra única, contudo as feições de Vénus são próprias de uma deusa. Com semblante duro, meio inflexível e com cabelos prendidos num corte de época, somos apresentados à perfeição do corpo com as suas insinuantes curvas.

O belo advém daí: nada de corpo retilíneo duro, os seios pequenos (mas nem tanto) e o abdómen com ancas largas. O flexionar de uma perna induz a um toque sensual, ainda para mais que o seu vestido (custa-nos crer tratar-se de mármore também) antevê a tendência de moda feminina do “tomara que caia”. O porte austero e o todo traduzem a perfeição, mesmo estudando detidamente o maciço observamos ranhuras mais que naturais, mas o belo sobressai.

Há exatamente 200 anos que a Vénus está no Louvre, há mais tempo que a própria Independência do Brasil. Curada, vigiada e devidamente exposta, em dois séculos a Deusa se materializa fazendo-nos acreditar na presença de deuses entre os pobres mortais, e quando um destes, no caso eu, consegue ver tão de perto a beldade, fico a beber a ambrosia dos mesmos, acreditando mais e mais nos ideais de beleza e das obras que suplantam o efémero.

Marcelo Pereira Rodrigues

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