“Mother, mother
Everybody thinks we’re wrong
Oh, but who are they to judge us
Simply ’cause our hair is long
Oh, you know we’ve got to find a way
To bring some understanding here today“
(Excerto de What’s Going On, Marvin Gaye, Tamla/Motown 1971)
Não é por acaso que Marvin Gaye foi intitulado de “Prince of Soul” e “Prince of Motown”, tendo sido o principal mentor do rhythm and blues e da soul num estilo tão próprio como o seu, quente e doce, para além do papel absolutamente fundamental que desempenhou na Motown, discográfica que serviu de trampolim para os cantores negros dos anos 60 e 70 do século passado. A editora de Hitsville, liderada por Berry Gordy, foi responsável pelo lançamento de nomes como Smokey Robinson, que viria a ser vice-presidente da empresa, Stevie Wonder, The Supremes, Diana Ross e muitos outros, para além de Marvin Gaye.
É num contexto de grande convulsão social na sociedade norte-americana, influenciada pela discriminação racial, pela guerra no Vietname, os protestos estudantis, a opressão policial e a instabilidade política, que Renaldo “Obie” Benson, membro dos Four Tops, testemunhou cenas de brutalidade policial numa manifestação contra a guerra no Vietname em Berkeley (viria a ser batizada como quinta-feira sangrenta). Revoltado, compôs em conjunto com Al Cleveland (compositor ao serviço da Motown) e Gaye o tema What’s Going On, de forma a expressar a revolta com tudo o que se passava à sua volta.
O tema chegou a ser equacionado para os Four Tops, no entanto estes recusaram devido ao seu conteúdo, tendo Benson insistido para que o tema fosse então entregue a Gaye, pois achava que este se identificava perfeitamente com ele. Ao apresentarem o tema a Berry Gordy, este não reagiu de forma positiva e recusou gravar a canção com o argumento de que esta era uma “canção de protesto” político que poderia por em causa não só a carreira de Gaye (na altura com contrato com a Motown) como poderia ter consequências para a própria editora. Perante esta recusa de Gordy, Gaye nega-se a gravar seja o que for para a editora enquanto esta não permitir a gravação do tema.
É então que, após a cedência de Gordy e posterior gravação e sucesso do single, Marvin Gaye constrói um álbum, a pedido do próprio Gordy, em torno do tema central What’s Going On, que daria o nome ao trabalho. O seu “disco de protesto”. Este apresenta-se como um álbum conceptual por parte do autor e é abordado na perspetiva de um veterano da guerra do Vietname que regressa a casa e depara-se com um cenário de ódio, injustiça e sofrimento. O fio condutor mantém-se ao longo de toda a obra e funciona como uma estrutura circular, em que o último tema é uma reprise do primeiro.

Nas suas letras, Gaye aborda questões como a guerra (What’s Happening Brother), as drogas (Flyin ‘High (In the Friendly Sky)), a pobreza (Inner City Blues (Make Me Wanna Holler)) e até questões ambientais (Mercy Mercy Me (The Ecology)), o que se revelava revolucionário à época, pois ninguém discutia estas questões. O conteúdo das letras que compõem este trabalho são de uma riqueza imensa, e o autor não deixa nada por dizer. Em termos musicais, a construção deste disco contou com uma larguíssima panóplia de músicos tendo a produção ficado a cargo do próprio Marvin Gaye.
A critica dividiu-se relativamente ao resultado, considerando alguns que estávamos perante um som “jazzístico” e outros que estávamos perante uma soul psicadélica brilhante, no entanto, a abrangência que suporta este álbum é larga e as influências de Gaye vão muito para além disto. Passam pelo gospel ou pela orquestração clássica, por exemplo, o que demonstra a capacidade conceptual de Marvin Gaye.
Sendo um trabalho que contém uma narrativa de protesto, a riqueza da mensagem construída por Gaye perdurou no tempo e permanece hoje como uma obra de referência no género. O conteúdo das letras é em alguns casos ainda hoje pertinente, servindo como grito de alerta para os erros que insistentemente cometemos.

Como prova, este trabalho é considerado por muitos como o mais importante editado até hoje, é o caso da Rolling Stone que o coloca como n.º 1. Classificações à parte, estamos perante um trabalho de grande qualidade que para além da sua musicalidade, nos traz o grito de alerta de alguém que viveu uma época conturbada e que disse um dia ao seu irmão: “Antes eu não sabia lutar, mas agora acho que sei. Só tenho que o fazer à minha maneira. Não sou pintor. Não sou poeta. Mas posso fazer isso com música.“
Marvin Pentz Gay Jr. foi morto pelo seu pai com com dois tiros no dia 1 de Abril de 1984, véspera de completar o seu 45.º aniversário e permanecerá para sempre como uma referência do R&B e da soul.
“For those of us who simply like to socialize
For those of us who tend the sick
And heed the people’s cries
Let me say to you, right on“
(Excerto de Right On, Marvin Gaye, Tamla/Motown 1971)
Bons sons.
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